Um homem de palavra

No tempo do meu avô, a palavra nos negócios era sagrada. Quem não a honrasse era rapidamente marginalizado, até ostracizado. Os contratos eram verbais e honrados na esmagadora maioria dos casos. Hoje, os contratos são todos (ou quase) sob a forma escrita e revistos muitas vezes por batalhões de advogados a quem se pagam balúrdios…

Um homem de palavra

Manuel Boto

Há uns anos tive um sócio que me dizia com a maior calma do mundo: «Só há duas coisas certas na vida e por esta ordem – pagar impostos e morrer!». Na verdade, todos os dias pagamos impostos (atualmente, cada vez mais) e um dia, mais tarde ou mais cedo, acabamos por morrer. Até lá, vamos vivendo com mais ou menos saúde, estudamos, mais tarde trabalhamos, nos intervalos folgamos e pelo caminho vamos indo a casamentos, batizados e funerais. Foi o que me sucedeu este fim de semana. Pessoa que muito considerava faleceu em Ponta Delgada – e, como a ‘consideração’ não pode ser palavra vã, lá fui eu até aos Açores.

A viagem foi boa, com uma aterragem bem complicada, tantos os ventos no domingo à tarde que obrigaram ao desvio de uns aviões até à Ilha de Santa Maria, onde está o aeroporto mais confiável dos Açores, quiçá de Portugal. Sempre aberto 365 dias por ano, uma pista enorme em que aterra qualquer avião. Eu fui num desses aviões desviados, que aterrou depois de um ‘borrego’, e consegui fazer o programa pretendido de velório do falecido e missa no dia seguinte.

Mas todo este arrazoado porquê? Porque durante o velório, em conversa com um dos filhos do falecido, lhe referi que a principal razão da minha consideração de mais de 30 anos tinha a ver com o facto de seu pai ser ‘um homem de palavra’.

Estes valores da palavra são hoje cada vez mais raros. Quem a não tenha pode ser considerado um ‘pantomineiro’ – mas a sociedade não o marginaliza como antigamente. Nem sequer falo dos políticos, em que se banalizou a aceitação da promessa eleitoral não cumprida, sempre com uma desculpa ‘na ponta da língua’ e um encolher de ombros dos eleitores.

No tempo do meu avô, a palavra nos negócios era sagrada. Quem não a honrasse era rapidamente marginalizado, até ostracizado. Os contratos eram verbais e honrados na esmagadora maioria dos casos. Hoje, os contratos são todos (ou quase) sob a forma escrita e revistos muitas vezes por batalhões de advogados a quem se pagam balúrdios para acrescentar ou detetar cláusulas que permitam aos signatários escapar a responsabilidades assumidas se os ‘ventos não correrem de feição’.

Mas regresso ao funeral e ao tema da importância da palavra dada. Um dos filhos do falecido contou que o pai lhe dizia: «Sabes uma coisa? A minha assinatura pode ser falsificada mas a minha palavra nunca!». Registei a frase antes nunca ouvida e, tendo sido educado neste contexto de ‘palavra de honra’, a frase tocou-me fundo. Lembrei-me das vezes que falámos, das garantias verbais que me deu em certas circunstâncias e que nunca falharam. A sua palavra era mesmo ‘lei’.

As circunstâncias profissionais em que nos conhecemos eram-lhe adversas. O nosso relacionamento tinha tudo para ser hostil, mas foi sempre de respeito mútuo – e ele encaixou sempre o bom e o mau do que lhe disse numa perspetiva construtiva. Construiu um grupo empresarial nos Açores com cerca de 300 pessoas, teve enormes dificuldades, mas soube lidar com elas, recebendo em vida as homenagens que lhe eram devidas, deixando enorme legado que caberá à família saber perpetuar. Seu nome? Antero Rego, um micaelense da freguesia de Santo António, que contribuiu para o desenvolvimento da economia da região.

 

P.S. 1 – Uma palavra final para os Açores e, em particular, para a Ilha de São Miguel, que conheço há mais de 40 anos. As low cost trouxeram turismo à ilha, há hoje muito mais hotéis e o alojamento local cresce, tal como o turismo rural. Mas os responsáveis pelo Turismo precisam de posicionar a ilha como um destino também para elites. São estas que trazem maior valor acrescentado à economia e aos seus habitantes.

As condições naturais existem, como sobressai do grau de satisfação dos visitantes (ver dados do Observatório do Turismo), mas há muito para fazer em todas as ilhas, sobretudo nos aspetos da mobilidade, transportes e restauração, e isso é fundamental para fazer o upgrade. Também há que promover conferências internacionais, saber captar visitantes, oferecendo tudo o que de belo as ilhas têm. Os tempos de glória do Café do Peter, no Faial, ponto de paragem dos navegantes do Atlântico na busca de correspondência, são tempos idos. Hoje, na era do digital e com o ambiente como prioridade mundial, o futuro dos Açores tem de considerar estes desafios pelas condições únicas que oferecem.

 

P.S. 2 – Este diálogo lamentável entre o Governo e os professores, em que mutuamente se acusam de ‘extremismo de posições’, só pode ser ultrapassado com bom senso, em nome do ensino e dos alunos, sempre os principais prejudicados. O radicalismo é total, as manifestações de incontinência verbal vêm em crescendo – pelo que, até às eleições europeias, duvido que algo suceda. Mas será que a chave do problema estará mesmo na votação das europeias?