A múmia que me chegou pelo correio

Tal como as pirâmides, a esfinge ou os túmulos do Vale dos Reis, as múmias continuam a exercer um misterioso fascínio a que poucos conseguimos escapar. Mais do que testemunhos da requintada civilização do Antigo Egito, estas relíquias macabras constituem uma ponte material entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, conseguindo a…

Mas como era feito o embalsamamento? O processo de conservação dos cadáveres é descrito e analisado com detalhe em O Embalsamamento Egípcio, de Rómulo de Carvalho.

O famoso escritor e professor de química partiu do que disseram os autores da Antiguidade, cruzou-o com informação mais moderna e tirou as suas próprias conclusões. Segundo o grego Heródoto, «Ao fim dos 70 dias [mergulhado em natrão, nome então dado ao carbonato de soda, que era usado para consumir as gorduras e secar o cadáver], o corpo é levado e completamente envolvido em tiras de pano de algodão, cobertas de commi, que é uma cola de que os egípcios se servem vulgarmente. Então os parentes retiram o corpo, fazem-lhe um estojo com a forma humana [o sarcófago], metem o corpo nele e colocam-no na sala destinada a esse fim, na qual fica, de pé, encostado à parede».

Um morto em casa, encostado a um canto… Parece-lhe estranho? Não é o único aspeto bizarro de que este livro nos dá a conhecer. O ritual do embalsamamento obedecia a preceitos específicos que variavam consoante a época ou a condição do defunto. Nalguns casos, para dar um exemplo, era colocado um coração de pedra no lugar do coração verdadeiro, para que este não ‘testemunhasse’ contra o morto, impedindo-o assim de alcançar a vida eterna. Ou algo ainda mais surpreendente: «Na múmia de Tutankhamen, além das tiras de pano indicadas, encontrava-se uma, em particular, a envolver o órgão sexual que o embalsamador tivera antes de manter ereto». Ora aqui está algo a que nunca suspeitaríamos que o jovem rei pudesse dar uso no Além!

Uma nota final: a última página de O Embalsamamento Egípcio indica que o meu exemplar (adquirido em segunda mão) foi acabado de imprimir em maio de 1948. Não é assim tanto tempo, mas o tom amarelado e ressequido das páginas faz justamente lembrar… isso mesmo, uma múmia. E, quando chegou pelo correio, vinha acondicionado num estojo
de cartão cujo formato, não sei se propositadamente ou não, tinha semelhanças óbvias com um sarcófago. Já sabia que havia múmias de pessoas, mas também de gatos, crocodilos e de outros animais – agora de livros, nunca tinha ouvido falar.