Cataplana política à moda de António Costa

António Costa é frequentemente acusado de ser um primeiro-ministro insensível aos dramas humanos – veja-se o caso dos incêndios – e não tem muito jeito para ser simpático nem para fazer campanha eleitoral de rua. 

A sua inabilidade ficou bem evidente nas últimas eleições legislativas, em que conseguiu ficar atrás do PSD, depois de este partido ter imposto ao país uma política de austeridade severa para salvar o país da bancarrota. Pode sempre dizer-se que Costa até tem algum jeito, pois ganhou a Câmara de Lisboa, embora também se possa argumentar que nos ambientes urbanos o primeiro-ministro se sente mais à vontade.

Posto isto, e com meio país na rua a protestar contra o Governo – os enfermeiros e os professores vão dar-lhe muitas dores de cabeça –, Costa começou a virar-se para a sua praia preferida: a televisão. E se nessa praia puder mostrar os seus dotes de bom chefe de família, que até faz uma excelente cataplana de peixe, melhor ainda. Para o cozinhado ficar perfeito, acrescente-se uma entertainer que faz muitíssimo bem o seu papel, até porque não tem obrigação de se preocupar com os problemas da humanidade. Por tudo isto, parece-me que António Costa fez muito bem em ir ao programa de Cristina Ferreira, onde teve um palco com mais de 700 mil pessoas na assistência, na sua maioria reformados, além de ser preciso juntar todos aqueles que quando chegaram a casa à noite viram o programa, recorrendo à box.

Depois do telefonema de Marcelo Rebelo de Sousa e do arroz de atum de Cristas, Cristina Ferreira teve outro momento alto com a visita de António Costa. Os comentários da trupe socrática próxima do atual primeiro-ministro ‘esnobaram’ a prestação de Cristas e calaram-se com a cataplana de peixe do secretário-geral do PS. É normal que assim seja, já que são especialistas em verem a realidade de acordo com os seus interesses. Piada teve o comunista Pedro Ventura, candidato derrotado à Câmara de Sintra, que escreveu a propósito: «Já só falta o Marcelo Rebelo de Sousa ir lá fazer a famosa Vichyssoise».

Politiquices à parte, certo é que António Costa sabe qual o melhor trunfo para falar ao povo: a televisão, que, como alguém disse em tempos, pode vender tudo. E, afinal, os amigos são para as ocasiões.

A propósito dos homens na cozinha, ontem a organização Rede 8 de Março fez uma greve aos tachos, apelando a todas as mulheres para não cozinharem, não fazerem as camas e deixarem a roupa por passar. O mundo está mesmo de pernas para o ar. Agora questões que dizem respeito a cada um são debatidas na praça pública? Se as mulheres dizem que os maridos não dividem as tarefas domésticas de quem é a culpa? Delas que o permitem, como é óbvio. Que se manifestem contra o sistema que permite perdoar aos agressores, parece óbvio e mais do que justo. As mulheres não podem continuar a ser agredidas só porque são mais fracas fisicamente. O Estado tem de tomar as medidas necessárias para acabar com esse flagelo, mas à boleia desse problema não se deve entrar numa espiral de histerismo.

P. S. Com tanto barulho à volta da violência doméstica parece que hipotéticos agressores se sentem mais à vontade para descarregarem as suas frustrações, até porque pode passar a ideia de que as penas que poderão enfrentar serão leves. Além desse problema, há também a questão das vinganças familiares. Não se pode permitir que vítimas sejam trucidadas à conta de uma guerra mais do que justa. Nestes momentos agitados pode haver a tentação de se fazerem pequenas vinganças familiares, mandando inocentes para a fogueira…

vitor.rainho@sol.pt