Violência doméstica. Recordar para prevenir

Dois meses. 11 mulheres. Estes são os números que fazem o retrato de um ano que ainda mal arrancou e já é trágico. Porque não esquecer é a melhor forma de prevenir, o SOL recorda os casos que pintam 2019 de negro.

Na semana em que se comemorou o Dia Internacional da Mulher, às várias razões que continuam a justificar a data juntou-se mais uma: Ana Paula. A mulher foi a décima primeira a morrer este ano em contexto de violência doméstica. Em pouco mais de dois meses, morreram já 11 mulheres às mãos de maridos, companheiros ou outros familiares – perto de metade do número total das mulheres que, no ano passado, perderam a vida no mesmo contexto (28).

O problema tem marcado a atualidade, não só na comunicação social com dezenas de notícias que têm saído a público sobre o fenómeno, mas também nas redes sociais, onde se observa uma onda de indignação da sociedade civil com as vítimas. A classe política também não ficou indiferente ao retrato traçado pelos números: além da criação de um dia de luto nacional pelas vítimas, assinalado um dia antes do Dia Internacional da Mulher, em 7 de março, a Assembleia da República aprovou um conjunto de medidas para prevenir e combater o fenómeno (ver página 28) e vários políticos recorreram às redes sociais para se expressarem relativamente ao tema.  Foi o caso, por exemplo, do primeiro-ministro, que esta quarta-feira comentou na sua conta oficial do Twitter que «as grandes tragédias exigem-nos a partilha da dor coletiva pelo luto da Nação. A violência doméstica é uma grande tragédia que assinalamos com o luto nacional, evocando na perda das vidas e no sofrimento das vítimas, que não aceitamos viver numa sociedade que silencia e ignora». No dia seguinte, voltou a recorrer à mesma rede social para outra declaração: «A violência tem de ter fim e este é um desafio coletivo de toda a sociedade e de cada um de nós. Evocar as vítimas é começar a agir».

Mais do que evocar a memória de quem morreu num contexto de violência doméstica num dia criado para esse efeito, prevenir outros casos passa também por lembrar as histórias destas mulheres. A mais recente vítima, Ana Paula, tinha 39 anos e vivia em Vieira do Minho com os dois filhos e o marido, que a estrangulou no último dia 6 num «quadro de violência doméstica» revelou à Lusa fonte da GNR, que disse ainda não ter recebido nenhuma denúncia por violência doméstica. O marido tentou a fuga, mas acabou por entregar-se à GNR de Braga, tendo confessado o crime. O apresentador Jorge Gabriel, que entrevistou a vítima e o agressor no âmbito de um programa, recorreu ao Instagram para lamentar a morte, descrevendo-os como «um casal comum sem sinais de problemas».

Dias antes, em 17 de fevereiro, Ana Maria, de 53 anos, perdeu a vida com dois tiros de caçadeira do ex-companheiro, de 62, que a atingiram nas costas. O homicida perseguia de forma recorrente a mulher e tinha-a já ameaçado de morte, levando-a a mudar de casa com os três filhos da Chamusca para Torres Vedras, segundo o Diário de Notícias. O homem matou a vítima depois de uma longa espera dentro do carro à saída de uma danceteria, onde Ana Maria tinha estado a dançar com um amigo, que foi atingido na mão. Fugiu, depois, para casa da irmã, onde foi detido pelas autoridades.

A 4 e 5 de fevereiro, avó e neta perderam a vida às mãos do genro e do pai, respetivamente. O homicida foi a casa da ex-mulher, que vivia com os pais no Seixal, para deixar a filha, mas em vez de o fazer matou a sogra, Helena. Levou consigo a criança, Lara, que foi encontrada morta no dia seguinte, por asfixia, dentro do porta bagagens do carro do pai, em Corroios. A ex-mulher já tinha apresentado queixa, mas segundo o Observador o caso «foi arquivado por desistência de queixa da ofendida». O homem viria a ser encontrado perto de Castanheira de Pera, a mais de 200 quilómetros do Seixal, onde ao que tudo indica ter-se-á suicidado com uma arma de fogo.

No último dia de janeiro, uma discussão entre alegados amantes teve um fim trágico: Marina, de 25 anos, foi morta à facada pelo suposto amante, de 26, na sua casa em Moimenta da Beira onde vivia com os filhos, de dois e cinco anos. À PJ, o homem confessou o crime e justificou, segundo o Jornal de Notícias, que Marina terá ameaçado que iria contar aos companheiros de ambos que estava grávida. A autópsia ao corpo de Marina, contudo, não revelou qualquer gravidez. Há duas versões relativamente a quem terá encontrado o corpo: se o filho de cinco anos, se a irmã da vítima.

O dia 27 de janeiro ficou manchado pela morte de Lúcia, de 48 anos. Depois de ter sido violentamente espancada em sua casa, em Santarém, foi degolada. O suspeito continua por identificar, mas sobre a vítima sabe-se que tinha nacionalidade brasileira, era casada com um português a trabalhar fora do país e vivia com os dois filhos. Suspeita-se que usaria a casa para prostituição.

Dez dias antes, Fernanda perdeu a vida aos 71 anos. Foi encontrada em casa, num cenário que as autoridades acreditam tratar-se de um homicídio seguido de suicídio – o marido, com 72 anos, terá morto a mulher com uma arma de fogo, tendo-se de seguida suicidado.

Em 11 de janeiro, três mulheres perderam a vida em casos separados. Maria e Luzia, de 83 e 80 anos, foram mortas a tiro pelo marido de Maria, de 83 anos, em Évora. O motivo? Uma discussão relativamente ao melhor dia para a matança do porco. O homem tentou o suicídio e acabou por morrer já no hospital. Mais a norte, em Almada, Vera, 30 anos, morreu depois de ter sido espancada de forma violenta pelo ex-namorado. Apesar da gravidade dos ferimentos, conseguiu arrastar-se até às escadas do prédios para pedir ajuda. Foi levada para o hospital, onde acabou por morrer.

Quatro dias antes, uma mulher com 46 anos cujo nome não é conhecido morreu no hospital depois de ter sido espancada pelo cunhado – a mulher era casada com o irmão do homicida, que estava detido na altura do crime. O homem pretendia expulsá-la da casa camarária onde vivia, que pertencia à mãe dele, já falecida. Perpetrou as agressões com a ajuda de um amigo. Ambos foram detidos.

Por fim, 5 de janeiro foi o dia em que se registou a primeira morte por violência doméstica do ano: em Lagoa, as autoridades encontraram Lúcia, 48 anos, junto ao corpo de um homem, seu companheiro, com quem vivia já há mais de um ano. O homem matou-a, tendo depois cometido suicídio. A mulher tinha duas filhas.

Além destas 11 mulheres e de Lara, a menina de dois anos morta pelo pai, a lista de pessoas que perderam a vida este ano em contexto de violência doméstica inclui ainda um homem: Fernando, 67 anos, morreu no dia 11 de fevereiro no Porto, depois de ter sido agredido em sua casa por um jovem espanhol de 20 anos que o deixou quase desfigurado. Suspeita-se que por detrás do crime estão motivos passionais.