A chegada de um bebé

Saímos de casa clandestinamente, a meio da noite, de malas na mão, como dois fugitivos. A dormir ficaram os nossos filhos e uma prima, que, ainda sem saber, teria de chegar mais tarde ao trabalho para ficar com eles até alguém os levar à escola. Sempre gostei da imprevisibilidade dos partos, apesar do receio de…

Saímos de casa clandestinamente, a meio da noite, de malas na mão, como dois fugitivos. A dormir ficaram os nossos filhos e uma prima, que, ainda sem saber, teria de chegar mais tarde ao trabalho para ficar com eles até alguém os levar à escola.

Sempre gostei da imprevisibilidade dos partos, apesar do receio de não chegar a tempo às mãos de um médico, ou de estar sozinha com os mais pequenos e não ter com quem os deixar. Cheguei a pensar que, se fosse esse o caso, teria de os levar comigo para o hospital, como se fôssemos uma família de saltimbancos. Felizmente não foi preciso.

O tempo que antecede a chegada de um bebé é mágico. Passamos da dúvida à certeza de que ele quer mesmo nascer relativamente rápido e em instantes o corpo começa a fazer o seu trabalho, como uma cavalgada cada vez mais intensa e dolorosa até ao momento em que chega o médico e diz qualquer coisa que dá a entender que o bebé que durante meses se assemelhava a um sonho longínquo está muito próximo de passar a barreira para o nosso lado.

Sinto sempre que não estudei a lição para saber como fazer um bebé vir ao mundo, pensei em tudo menos nisso. Mas chegada a altura corre tudo bem e em menos de nada aquele ser pequenino atira-se corajosamente de cabeça para vir ter connosco. Há um silêncio e depois o choro. Cá está ele! Vemo-lo pela primeira vez. Quentinho, amarfanhado, coberto daquele vernix caseoso (que me vem sempre à memória como verniz cavernoso), com os olhos inchados, como se estivesse estado a dormir por demasiado tempo. Colocam-no em contacto com a minha pele e sinto-o pela primeira vez. O meu filho. A ligação cria-se de imediato e para sempre. Não há nada mais sublime, mais intenso. As primeiras horas são de um entusiasmo incomparável. Namorar e descobrir aquele ser que apesar de ter crescido durante tanto tempo dentro de nós é ainda um desconhecido. Reparamos em cada pormenor, são todos perfeitos, nada foi deixado ao acaso. Podemos perder-nos indefinidamente naquele sono dos inocentes que alterna com breves apresentações das expressões que usará no futuro: de forma prodigiosa varia entre o sorriso, o choro, o susto ou o riso em poucos segundos.

De olhos fechados, durante a noite, afago aquela cabecinha tão pequenina e macia e tenho uma sensação incrível que me leva a pensar no que sentirão as pessoas invisuais quando descobrem com as mãos o seu bebé pela primeira vez. Deve ser intenso e extraordinário. Nada se assemelha àqueles contornos minúsculos e preciosos.

Nada é tão doce nem tão puro como um bebé acabado de nascer. O ser mais vulnerável e indefeso que abre a boca na expectativa de ser alimentado, como o seu maior movimento para a sobrevivência, acompanhado por duas armas poderosíssimas que põem até os mais fortes em sentido: o charme e o choro.

Já em casa, os irmãos deliciam-se com a chegada do novo membro. Agitados por natureza, parecem procurá-lo para beberem o seu silêncio e movimentos delicados, a sua paz e tranquilidade.

Estamos todos rendidos. Apesar das noites mal dormidas, do choro indecifrável, das refeições feitas a correr com um bebé ao colo ou da desorganização inicial, não há nada como ter um recém-nascido em casa.