Um apetite insaciável por obras de arte

Junho de 1940. Menos de um ano depois do início da guerra, as tropas alemãs invadiam a França e marchavam sobre a sua capital, impondo uma derrota humilhante aos vizinhos. No final desse mês, Adolf Hitler podia finalmente cumprir um sonho antigo: conhecer Paris.

Junho de 1940. Menos de um ano depois do início da guerra, as tropas alemãs invadiam a França e marchavam sobre a sua capital, impondo uma derrota humilhante aos vizinhos. No final desse mês, Adolf Hitler podia finalmente cumprir um sonho antigo: conhecer Paris. Na madrugada de 28 de junho, um domingo, o seu avião aterrava no aeroporto de Le Bourget. «Aí, Hitler e a sua reduzida comitiva instalaram-se em três Mercedes descapotáveis», descreve Hector Felicino em O Museu Desaparecido. «A toda a velocidade e com uma escolta discreta reduzida ao mínimo, o cortejo nazi penetrou na Cidade-Luz e dirgiu-se diretamente para L’Opéra, o edifício preferido de Hitler. As ruas mergulhadas numa semi-obscuridade da capital estavam ainda desertas. No interior do edifício, os lustres e todas as luzes brilhavam».

Não costumo usar esta palavra com muita frequência, mas espetacular parece-me um adjetivo adequado para classificar o livro de Feliciano.

A visita de Hitler é apenas o prelúdio. Sob a ocupação alemã, os nazis começam a confiscar e a transferir os tesouros de galerias e coleções privadas de judeus para o seu próprio país – até porque o führer acalentava o projeto de fundar um megamuseu em Linz, a sua cidade-natal, na Áustria, para acolher as obras de arte saqueadas nos territórios conquistados. Além disso, queria fazer de Berlim uma cidade «muito mais bela ainda» do que a capital francesa.

Durante este período, ao contrário do que se poderia imaginar (visto estar a decorrer uma guerra), Paris torna-se um entreposto fervilhante de tráfico de obras dos mestres antigos, dos grandes pintores impressionistas, pós-impressionistas e modernos. Os móveis de luxo e as antiguidades também mudam de mãos muito rapidamente.

Feliciano, um jornalista de origem porto-riquenha nascido em Filadélfia e correspondente do The Los Angeles Times e do Washington Post na Europa, passou oito anos a perceber como os nazis espoliaram cerca de 200 coleções privadas e a reconstituir as ligações subterrâneas entre os ocupantes, marchands sinistros e compradores sem escrúpulos. A sua investigação concluiu que «no total, mais de cem mil obras de arte, meio milhão de peças de mobiliário e mais de um milhão de livros e manuscritos teriam sido roubados pelos nazis em França».

Em termos artísticos Hitler não possuía o gosto mais refinado. Albert Speer, que o acompanhou na ida a Paris, ficou horrorizado quando o führer quis visitar a basílica do Sacré Coeur… Mas os nazis sabiam o que estavam a fazer e o seu apetite por obras de arte era insaciável. Como os povos da Antiguidade, queriam reunir o máximo de despojos dos países derrotados.

Com o desfecho da guerra, no entanto, o projetado museu de Linz acabou por nunca se concretizar. E Berlim, destroçada, cinzenta e cheia de cicatrizes, nunca superou a rival.