Situação em Moçambique pode piorar nas próximas horas. Um relato na primeira pessoa

Vítor Gonçalves, jornalista do SOL do Índico, relata a situação que se vive em Moçambique depois do ciclone Idai. Conta ainda como a situação pode piorar nas próximas horas com a abertura das comportas da barragem de Cahora Bassa.

Vítor Gonçalves, jornalista do Sol do Índico, relata a situação que se vive em Moçambique depois do ciclone Idai. Conta ainda como a situação pode piorar nas próximas horas com a abertura das comportas da barragem de Cahora Bassa:

"Hoje a situação na cidade da Beira e na província de Sofala tem vindo a sofrer uma degradação progressiva. Desde de que o ciclone atingiu a região, na madrugada de sexta-feira, até hoje não houve nenhuma intervenção de fundo a nível de infraestruturas. Houve diversas intervenções pontuais que permitiram que algumas operadoras móveis restabelecessem  o serviço móvel em parte da cidade ou que, por exemplo, um ou dois serviços de multibanco voltassem a funcionar. No entanto, a devastação é total. Não há energia, não há serviço de água, começa a escassear a comida, começa a ser cada vez mais difícil encontrar água potável, e a boa parte das estruturas edificadas estão completamente destruídas, quase todos os edifícios sofreram danos. No entanto, apesar da situação ser complicada na cidade da Beira – estamos a falar da segunda cidade de Moçambique, em termos de desenvolvimento económico e em termos populacionais – diria que verdadeiramente trágica é a situação dos arredores. Há milhares e milhares de pessoas na província de Sofala completamente isoladas de tudo nos últimos dias.

Nas próximas horas a situação tornar-se-á ainda mais dramática dado que a montante continua a chover com grande intensidade, o que levou a que a barragem de Cahora Bassa e uma barragem do Zimbabué fossem obrigadas a abrir as comportas. O que significa que o rio Búzi vai ter o seu caudal muito engrossado. Ou seja as populações vão ficar numa situação ainda pior. Muito provavelmente o resultado será mais mortes. Não há meios disponíveis para salvar as pessoas que estão isoladas. Há equipas do exército sul-africano que estão no terreno, mas com meios limitados, há ONG’s que estão a começar a movimentar-se, não existem meios logísticos suficientes para salvar essas pessoas. A situação pode de facto vir a agravar-se. Neste momento há um número não confirmado que rondará os 200 mortos, mas esse número pode aumentar muito nas próximas horas, sem que possa ser feita grande coisa por essa gente.

Repare que a Beira continua isolada por terra. A única estrada que liga a Beira quer ao norte quer ao sul do país, como à capital de Maputo, está cortada, porque uma ponte que tinha sido edificada há menos de um ano está completamente destruída. É muito difícil fazer chegar os bens materiais que são necessários às pessoas. Por outro lado, uma circunstância que já pude testemunhar é a especulação que começa a existir. Os materiais de construção tornaram-se nos últimos dias em bens de primeira necessidade. Coisas simples, como tijolos, etc, viram o seu preço aumentar muitas vezes. Logo, ou a província recebe rapidamente um apoio de agências internacionais e de países que o podem trazer meios para aumentar a sua capacidade de de auxilio às populações, a nível de água, alimentos, meios aquáticos para salvamento, ou o número de mortos pode elevar-se muito rapidamente. Aliás, o Presidente da República, Filipe Nyusi, disse que o número pode chegar aos mil mortos. E é uma estimativa que a menos que haja uma mudança drástica nas próximas horas muito provavelmente será alcançada."