Os passes, a mobilidade e a demagogia

O anúncio sobre a redução do preço dos passes dos transportes públicos constitui um passo importante na promoção da mobilidade dos cidadãos, um acontecimento histórico na intervenção articulada dos municípios, mas também um poderoso instrumento de propaganda. O momento escolhido para o anúncio é eleitoralmente muito conveniente. Até pode ser coincidência, mas os recentes e…

O anúncio sobre a redução do preço dos passes dos transportes públicos constitui um passo importante na promoção da mobilidade dos cidadãos, um acontecimento histórico na intervenção articulada dos municípios, mas também um poderoso instrumento de propaganda.

O momento escolhido para o anúncio é eleitoralmente muito conveniente. Até pode ser coincidência, mas os recentes e sucessivos anúncios de medidas na área dos transportes (que só terão concretização daqui a 3 ou 4 anos) numa campanha claramente eleitoralista, permitem, pelo menos, admitir que se está perante mais uma iniciativa de propaganda.

Para além do momento em que é anunciada, a medida de diminuição do preço dos passes dos transportes públicos vai no caminho correto da promoção da mobilidade, do incentivo à utilização dos transportes públicos como alternativa ao transporte individual e da diminuição dos encargos das famílias com os transportes.

Importa ter presente que esta aposta hoje é possível porque foram concretizadas várias alterações na situação dos transportes e das empresas públicas de transportes, nomeadamente com a correção dos desequilíbrios financeiros acumulados que o Governo anterior levou a cabo, tornando o setor dos transportes equilibrado, cumprindo as imposições do acordo estabelecido com a troika pelo Governo socialista anterior.

O Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART) que entra em vigor em Abril traduz-se na simplificação e redução dos tarifários dos transportes públicos e tem um custo previsto de cerca de 116 milhões de euros suportados inicialmente pelo Orçamento do Estado (Fundo Ambiental) em 104 milhões de euros e pelos municípios em 12 milhões de euros (2,5%), evoluindo progressivamente para uma maior comparticipação dos municípios (até 20%).

No caso da Área Metropolitana de Lisboa o custo será de cerca de 90 milhões de euros, dos quais 73 milhões do OE, ou seja, a AML consome cerca de 70% do financiamento do PART, com os passes a terem um preço de 30 euros dentro do mesmo concelho e de 40 euros entre concelhos. Também está prevista a criação de um passe familiar que significará que cada família, independentemente da dimensão do agregado, só pagará o valor de dois passes. No entanto, inexplicavelmente, apesar de ter sido anunciada há largos meses, esta modalidade só estará disponível a partir de julho.

O programa é anunciado como nacional, mas na realidade, com exceção de Lisboa, Porto e mais algumas (poucas) comunidades intermunicipais, não existe uma verdadeira rede de transportes públicos, pelo que o anúncio de descontos nos transportes em regiões onde estes quase não existem não passa de demagogia.

Nas áreas servidas por transportes públicos, especialmente na Área Metropolitana de Lisboa, a oferta de transportes é hoje insuficiente e o estímulo à utilização de transportes públicos que esta medida encerra irá esbarrar na falta de resposta adequada.

Teria sido avisado começar por investir na maior e melhor oferta de transportes públicos. Aliás, o atual Governo podia ter começado o investimento nos transportes públicos, mas esperou três anos para anunciar os referidos investimentos com concretização apenas daqui a 3 ou 4 anos, tal como sucedeu nos comboios, nos barcos ou no metro.

A diminuição no preço dos passes significará uma redução significativa do peso dos transportes nos orçamentos das famílias. No entanto, a concentração deste investimento na Área Metropolitana de Lisboa, se tem justificação pela concentração populacional e pela intensidade de deslocações entre concelhos, não sendo acompanhado pelo investimento em transportes nas regiões onde estes quase não existem, agravará os desequilíbrios regionais.