Vinhos de quê?

O 1º ministro disse que os vinhos nacionais deverão ser promovidos com o ‘chapéu’ ‘Vinhos de Portugal’. É como se a Chanel e a Lancôme passassem a ser ‘Perfumes de França’

Perante a facilidade com que se atribuem dotes de inteligência a todo o bicho careta, um amigo próximo costuma chalacear: «Parece que sim. Consta que uma vez teve uma ideia inteligente, mas ninguém se lembra de qual, nem quando, nem onde».

Então, não é que o senhor primeiro-ministro foi à Alemanha, à feira mundial de vinhos de Düsseldorf, anunciar aos 390 produtores portugueses presentes no certame que a promoção dos vinhos nacionais deverá passar a dar pela «marca chapéu» (sic) ‘Vinhos de Portugal’? «Agora é só preciso promover a marca», acrescentou, fazendo lembrar aquele do… «é só fazer as contas».

Uma pessoa ouve estes disparates, ditos com tamanha ligeireza – e pasma! Onde terá o homem ido desencantar esta? Aos génios que inventaram o Allgarve? Que terão pensado os produtores, que somam anos de luta na arena internacional para conseguirem que as suas garrafas estejam lado a lado com as de origem francesa, italiana ou espanhola?

Se esta esdrúxula ideia seguisse em frente, seria destruir de uma penada tudo o que se fez para impor vinhos com ADN próprio, identificados por rótulos prestigiados. Vinhos que são fruto de um terroir específico e de uma combinação de castas que é, hoje, uma ciência.

De tal modo esse trabalho foi bem feito que os nossos melhores vinhos estão atualmente nas garrafeiras mais exclusivas e nas cartas dos melhores restaurantes do mundo, e são alvo das referências mais elogiosas de críticos consagrados; pessoas que sabem que cada vinho tem uma personalidade ímpar, conferida pela vinha de onde é originário e pela mestria dos enólogos que o cuidam, desde que nascem as primeiras folhas nas videiras até ao engarrafamento para apresentação ao consumidor.

Passaram muitos anos desde que Noé espremeu as primeiras uvas e adormeceu, depois de bebidos uns fartos goles do doce néctar. Agora, tudo é objeto de medição rigorosa e de tratamento segundo técnicas apuradíssimas, que dão aos vinhos o cunho de produtos únicos, segundo uma lógica que é o oposto da marca branca… a tal do ‘bendito chapéu’.

Imaginemos, por um momento, o senhor Macron a anunciar ao mundo que «doravante os perfumes franceses vão ser promovidos sob o chapéu ‘Perfumes de França’, e a Chanel, Guerlain e Lancôme serão submarcas»; ou a senhora Merkel a sacar do bolso a novidade de que «as marcas Mercedes, BMW e Volkswagen vão passar a ser comercializadas sob a sigla ‘Carros Alemães’». Seria para rir, não é verdade? Pois, a mim, este absurdo dos ‘Vinhos de Portugal’ dá-me para chorar.

O peso que os vinhos têm nas exportações, a que o primeiro-ministro fez justa referência, aconselharia que tratasse do assunto com pinças, evitando, por exemplo, rapaziadas que só podem ser produto da ‘inteligência’ de algum ‘primo de ministro’, a quem, lá no Ministério, chamam ‘assessor’.

Com coisas sérias não se brinca. Não se embarque numa aventura que pode arrasar num mês uma construção que levou décadas a edificar. Melhor mesmo será pensar antes de falar. E, já agora, poupar-nos a trapalhices.