Ligações familiares. Costa desvaloriza “uma ou outra coincidência”

Primeiro-ministro cola-se a Marcelo, ataca Cavaco Silva e desvaloriza polémica. “É provável que aconteça como seguramente acontece em qualquer empresa”, disse.    

A polémica já dura há mais de um mês, mas, até ontem, António Costa ainda não tinha dito uma palavra sobre as ligações familiares dentro do Governo.

A dimensão que o caso ganhou obrigou, porém, o primeiro-ministro a reagir para desvalorizar as notícias que dão conta de dezenas de situações em que existe uma relação familiar dentro do Governo. “Pode haver uma ou outra coincidência (…) É provável que aconteça como seguramente acontece em qualquer empresa”, disse António Costa, no Barreiro, resumindo o problema a “alguns casos” num universo de centenas de pessoas. 

O primeiro-ministro quis centrar a polémica nas relações familiares que existem entre ministros e colou-se às declarações feitas pelo Presidente da República para explicar que os casos agora falados existem desde que o Governo tomou posse, em 2015. “Não só não há qualquer novidade que dê atualidade ao tema, como a experiência destes três anos provou não ter havido qualquer problema com estas duas coincidências”. 

A polémica já dura há mais de um mês e rebentou quando, na última remodelação do Executivo, em meados de fevereiro, Mariana Vieira da Silva foi promovida a ministra. A situação piorou depois de se tornar pública, há 15 dias, a nomeação de Catarina Gamboa, mulher de Pedro Nuno Santos, para chefe de gabinete de Duarte Cordeiro. A partir daí foram noticiados vários casos de ligações familiares nos gabinetes dos governantes.

 Umas horas antes do primeiro-ministro desvalorizar o assunto, o líder parlamentar do PSD defendeu que “é preciso que o senhor primeiro-ministro diga alguma coisa sobre o que se está a passar”. Fernando Negrão considerou que “as relações familiares não podem ser preponderantes nas decisões do país, vivemos numa República, não vivemos numa monarquia, alguém tem de prestar esclarecimentos, e esse alguém é o responsável máximo, o primeiro-ministro”, referiu.

Marcelo responde a Cavaco Nos últimos dias, o Presidente da República falou várias vezes sobre o assunto. Numa primeira reação, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que este Governo tomou posse ainda no tempo de Cavaco Silva e as relações familiares já existiam nessa altura. Cavaco não gostou e não tardou a responder a Marcelo garantindo que “não há comparação possível” entre o Governo a que deu posse, em 2015, e o atual. 

Marcelo não evitou entrar numa nova polémica com o anterior Presidente da República e afirmou que é “um facto que o Presidente Cavaco nomeou os quatro membros do Governo” que têm relações familiares. “Nomeou pensando, bem, que eram competentes e ninguém lhe perguntou nem questionou na altura, como não o questionou até hoje. É um facto histórico, nomeou, nomeou”, disse, em declarações à RTP. 

PM usa BPN contra cavaco O primeiro-ministro também reagiu às afirmações de Cavaco Silva. “O professor Cavaco Silva tem muitas qualidades, mas a memória não é a melhor nem sobre os seus próprios governos nem sobre a composição do atual Governo”, disse António Costa, que voltou a disparar contra o ex-chefe de Estado quando garantiu que “nenhum dos membros deste Governo sairá para ir criar um banco que depois vá à falência e viver à custa dos contribuintes”. Uma referência a José Oliveira e Costa que liderou o BPN depois de ter sido secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no primeiro Governo de Cavaco Silva. 

Mas Costa não ficou por aqui e deu o exemplo do ministro das Obras Públicas Joaquim Ferreira do Amaral que uns anos depois de sair do Governo para a Lusoponte. “Nenhum membro do meu Governo sairá para ir para gerir uma infraestrutura cuja construção ordenou na legislatura imediatamente anterior”, disse Costa, apontando o dedo à promiscuidade entre cargos políticos e o mundo dos negócios.

Os socialistas desvalorizam a polémica, mas o ex-eurodeputado socialista Vital Moreira criticou esta situação e alertou que “a prudência aconselha contenção e parcimónia no recrutamento nesses círculos, mesmo quando não esteja em causa a experiência e saber dos escolhidos”. Para o constitucionalista, o problema “aumenta exponencialmente quando entram em jogo as relações familiares e quando a frequência das ocorrências deixa perceber um padrão de conduta comprometedor”.