Estado carrasco e suas vítimas

A equipa de Centeno insiste em negar as evidências, mas Portugal tem hoje a maior carga fiscal desde 1995.

António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, comprometeu-se, na quarta-feira, a manter a média de devolução do IRS em 11 dias. A bem dizer, «mais dia, menos dia». Porque – continuando a citar o secretário de Estado de Mário Centeno – «não é com certeza mais um dia ou outro que pode causar grande perturbação».

Ora, aí está. O senhor secretário de Estado sabe que essa argumentação, de bom senso, é válida para o comum dos mortais, como é válida para a esmagadora maioria das pessoas, singulares e coletivas, públicas e privadas. 

Menos, porém, para os serviços que tutela.

É verdade, basta passar um dia que seja do prazo para o cumprimento de uma obrigação fiscal para os alarmes do Fisco dispararem, imediatamente aplicando os juros devidos e as coimas legais – que chegam a valores absolutamente desproporcionais, como por exemplo 30%, como é o caso do IVA (e basta passar um dia).

Sendo que acontece que muitas vezes esse IVA devido, porque faturado, não foi ainda recebido. E dá-se até o caso de, inclusivamente, o devedor em falta ser o próprio… Estado.

Ou seja, o Estado devedor paga quando quer, como quer e sem juros. O Estado cobrador cobra impiedosamente o que lhe é devido, porque diz que lhe é devido e quando é devido e ai de quem falhar – pessoa singular ou coletiva sem recursos para contratar fiscalistas capazes de escapar ao crivo do Fisco e do Estado, explorando as vírgulas das leis, as lacunas dos ordenamentos jurídico-fiscais, mais as zonas francas, as off-shores ou as isenções negociadas com o próprio Estado, seja com a Administração Central ou Local – porque o Estado, esse mesmo Estado que já deixou de ser pessoa de bem há muito tempo, trata uns como filhos e outros como enteados. É verdade, porque como o Governo bem sabe (tanto que António Costa disse-o recentemente) o Fisco consegue cobrar aos pequenos e médios contribuintes o que não consegue cobrar às grandes multinacionais – leia-se A Fraude e a Evasão Fiscal na União Europeia: do ‘luxleaks’ aos ‘panama papers’ (ed. Vida Económica), de Miguel Viegas – que deviam ser os ‘grandes contribuintes’, mas não são, simplesmente porque são quem consegue escapar incólume ao respetivo pagamento.

Como, aliás, bem descreve na obra citada o eurodeputado comunista que tem integrado todas as comissões extraordinárias criadas pelo Parlamento Europeu na sequência dos escândalos fiscais que têm abalado a União Europeia, os grandes players do mercado europeu e mundial pagam poucos ou mesmo nenhuns impostos, por beneficiarem de uma moldura política favorável e da opacidade dos sistemas fiscais.

Esses, os ‘gigantes’ e os ‘grandes’ pagam a peso de ouro especialistas (sobretudo fiscalistas) capazes de justificar o que, para o comum dos mortais e contribuinte sem perdão, é fuga ou evasão fiscal.

Pois é.

Por isso, o trabalhador por conta de outrem, seja funcionário público ou privado, não tem hipótese nenhuma e paga pela medida maior.

Por isso, também, as pequenas e médias empresas que vivem com a corda ao pescoço são continuamente asfixiadas pelo garrote do Fisco e da Segurança Social.

Por isso, ainda,  há cada vez mais empresas e contribuintes a não conseguirem resistir a esta carga fiscal – que, não obstante os malabarismos de Mário Centeno, bate recordes desde os idos anos da década de 90 e antes do bodo catastrófico do guterrismo.

Veremos como será de agora em diante, depois de o Governo ter aprovado em Conselho de Ministros incentivos e instruções aos serviços da Segurança Social para procederem com a mesma insensibilidade dos eficazes serviços do Fisco.

Veremos.

Mas deve dizer-se que poderemos temer o pior.

Sobretudo quando os nossos governantes se vangloriam em defender medidas que visam melhorar as condições de vida da classe média e têm mesmo a ousadia de dizer publicamente e sem vergonha que essa «classe média-média» a que se referem é hoje constituída pela «empregada de limpeza, pelo segurança ou pelo professor em início de carreira» – para citar Fernando Medina no programa Expresso da Meia-Noite (SIC) da semana passada.

De facto, e infelizmente, ele tem razão e é mesmo verdade: a nossa ‘classe média-média’ nivela cada vez mais por baixo num país com uma carga fiscal cada vez mais alta e com serviços carrascos de quem não pode deixar de cumprir – o cidadão médio, como a pequena ou a média empresa.

É inaceitável! Indigno!