As reuniões da Tupperware no Governo

O ‘Governo-Família’ já tem uma versão de Zandinga na pessoa do primeiro-ministro que adivinha o futuro dos seus governantes.

A história da família portuguesa mais famosa tem dado azo a muitas comparações com as famílias particulares, numa clara tentativa de branquear o atual Governo e suas ramificações. É normal que assim seja, já que aqueles que são atacados procuram contra-atacar para defender a honra da família. A política faz-se dessas coisas e não faltam voluntários que dão o corpo às balas por aqueles que estão no poder. Sempre assim foi e sempre assim será.

Ao ver os diferentes argumentos fui espreitar a história de um português que conseguiu criar um império quando deixou Portugal no princípio do século passado, tendo chegado ao Brasil em 1929, com 16 anos. Valentim dos Santos Diniz começou com uma pequena mercearia em São Paulo, depois abriu uma padaria com um sócio, mas como não queria dividir as decisões com ninguém vendeu a sua parte e inaugurou uma panificadora. A 7 de setembro de 1948 abriu a primeira loja com o nome de Pão de Açúcar, doces e salgados finos. Para encurtar a história, diga-se que, em 1985, o homem que deixou para trás Pomares de Jarmelo, na Beira Alta, tinha mais de 54 mil empregados nas suas 626 lojas, incluindo os que estavam nos escritórios. Cansado de tanto trabalho, Valentim quis deixar o comando das operações aos seus filhos, nomeadamente nas mãos do mais velho, que o acompanhava há já algum tempo. Acontece que essa decisão não foi bem aceite pelos outros filhos e a toda poderosa marca Pão de Açúcar quase entra em colapso, obrigando o velho patriarca a voltar aos comandos da empresa familiar. 

Depois de um brutal emagrecimento do grupo, e de as disputas familiares acalmarem, decidiram recorrer a um diretor executivo de fora da família, pois só dessa forma profissional podiam ter sucesso. É histórico que as empresas familiares funcionam muito bem até ao momento da sucessão e, muitas das vezes, a incapacidade de o mentor do negócio de não delegar nos filhos a passagem de testemunho pode tornar-se fatal para a empresa.

Se assim é nas empresas, o que dizer do Governo? A questão do profissionalismo que demonstraram anteriormente não está em causa, mas encarar um Executivo e demais serviços do Estado como uma espécie de porto seguro dos seus familiares só não é escandaloso para quem não quer ver. Além de revelar uma pequenez de visão do país, denota que António Costa não reconhece talento a ninguém fora do seu circulo mais próximo. Digamos que estamos ao nível dos países africanos que saíram da guerra e em que o chefe máximo vai entregando setores fundamentais do Governo aos seus generais e familiares destes.

Costa entende que fazer do Conselho de Ministros uma espécie de reunião familiar da Tupperware, em que todos vendem e compram as ideias uns dos outros, é saudável e positivo para o país é lá com ele.

Lá fora já se goza com esta república monárquica e as sondagens cá dentro começam a demonstrar que as pessoas estão um pouco cansadas deste forrobodó familiar. O primeiro-ministro, claramente desorientado, até já faz de Zandinga quando prevê o futuro dos seus atuais governantes, insinuando que nunca seguirão os caminhos dos muchachos de Cavaco Silva. Esperemos que sim, que não se metam em bancos que nos custaram milhões de euros e que não passem do Governo para empresas que tutelaram. E podem aproveitar uma reunião mais alargada do ‘Governo-Família’ para combinarem o que farão quando se divorciarem do Executivo.

vitor.rainho@sol.pt