A direita portuguesa é medrosa. E esse medo vê-se de duas maneiras: na tibieza com que enfrenta a esquerda e na complacência que mostra em relação a determinadas ideias de esquerda.
Repare-se: já vimos muita gente na TV dizer com orgulho que é «de esquerda»; mas alguém diz abertamente que é «de direita»?
As pessoas de direita escondem-se, têm vergonha de o dizer.
Além disso, não têm coragem para enfrentar a esquerda.
Vimos o receio, por exemplo, que o CDS demonstrou na crítica à redução do preço dos passes sociais dos transportes.
E, no entanto, trata-se de uma ideia tipicamente de esquerda.
Nos antigos países comunistas os transportes eram gratuitos, assim como a educação e a saúde, porque o Estado era o patrão universal, era quem administrava todo o dinheiro disponível, pelo que financiava as áreas eminentemente públicas: a educação, a saúde e os transportes.
Mas nos países de economia de mercado, o princípio geral é o do utilizador-pagador.
As pessoas pagam os serviços que utilizam.
E isso é mais saudável, pois só se dá valor àquilo que se paga.
Aquilo que recebemos de graça não valorizamos.
Além disso, temos de interiorizar a ideia de que o Estado não dá nada a ninguém.
Se dá com uma mão, tem de tirar com a outra.
Não há serviços grátis: há serviços que são pagos pelos utilizadores e serviços que são pagos pelo Orçamento do Estado.
O Estado não fabrica dinheiro: apenas faz opções.
E, de uma forma geral, é mais justo optar pelo tal princípio do ‘utilizador-pagador’ – com um fator de correção relativamente às pessoas com poucos recursos – do que ser toda a gente a pagar: os que usam e os que não usam.
Um dia, quando ainda colaborava no SOL, Francisco Sarsfield Cabral apareceu-me surpreendido com um episódio que se passara com ele.
Fora efetuar um exame de saúde que não considerava indispensável – mas que a mulher insistira com ele para fazer, e o médico anuíra.
O exame custava umas centenas de euros, mas ele, quando fora pagar, pagara meia-dúzia de euros.
E não se sentia confortável a saber que outros tinham financiado o seu exame, quando ele o podia pagar.
E, acrescento eu, tinha toda a razão: quem pudesse pagar, devia pagar.
Deste modo, o SNS não teria de ser quase integralmente suportado pelo Orçamento do Estado – e não haveria um fosso tão grande entre público e privado.
É que, paradoxalmente, os serviços públicos grátis estão a aumentar o fosso entre as classes.
Na educação, como é visível, tem-se vindo a acentuar a diferença entre as escolas públicas e as escolas privadas.
Enquanto o ensino privado mantém uma certa qualidade – senão os pais não colocam lá os filhos – o ensino público tem vindo a degradar-se continuamente e qualquer dia só para lá vão os filhos das famílias mais pobres.
E, com isso, a tendência é para a qualidade cair ainda mais.
Progressivamente, os melhores professores irão para os colégios particulares.
Hoje, no ensino, já há mais elitismo do que no tempo do Estado Novo.
E com a saúde vai passar-se exatamente o mesmo.
As pessoas com posses procurarão cada vez mais os hospitais privados – e para os públicos só irão os mais carenciados.
A pouco e pouco, os melhores médicos tenderão a concentrar-se nas clínicas e hospitais do setor privado.
E com os transportes sucederá inevitavelmente o mesmo.
Ao contrário do que se pensa, a sua utilização não vai aumentar.
Mesmo com preços mais baixos, a clientela não crescerá.
Quem tiver possibilidades, continuará a utilizar o carro – cujo uso tem vindo a crescer imenso nos últimos anos.
Os transportes públicos serão para os mais pobres e a sua qualidade diminuirá.
Também aqui o fosso entre as classes irá acentuar-se.
Numa palavra, cada vez mais haverá escolas para ricos e escolas para pobres, hospitais para ricos e hospitais para pobres, transportes para ricos e transportes para pobres.
E isto é resultado dos serviços públicos gratuitos.
Acontece que, como o Estado não fabrica dinheiro, quantos mais serviços gratuitos houver, mais o Governo terá de cobrar em impostos para os subsidiar.
Inversamente, se muitos serviços públicos deixassem de ser gratuitos, se imperasse o princípio do utilizador-pagador, os impostos poderiam reduzir-se drasticamente – e isso seria muito benéfico para a economia.
Até porque com este nível de impostos a economia terá muita dificuldade em crescer.
Claro que isto é uma ideia de direita – pois alivia os gastos públicos e diminui os impostos, favorecendo um maior liberalismo.
Mas alguém da direita a defende?
Alguém contesta, por exemplo, a vaca sagrada do SNS?
Pelo contrário.
Com o receio de perder votos, a direita portuguesa avaliza as medidas da esquerda.
Ora, uma coisa é certa: enquanto tiver medo das suas ideias, e aceitar as dos adversários, a direita nunca irá a lado nenhum.