Um partido perdido no tempo

O apoio do PCP ao regime de um país do qual foge gente, onde as prateleiras dos supermercados estão vazias, as pessoas morrem de fome e os hospitais não têm medicamentos, leva-nos a pensar: é isto o que os comunistas defendem para Portugal?

Um dos sinais mais notórios da prisão do PCP ao passado é a sua atitude em relação à Coreia do Norte e à Venezuela. Quando quase todo o mundo democrático já reconheceu a natureza ditatorial desses regimes, o Partido Comunista continua teimosamente a apoiá-los.

Essa posição levou um destes dias o seu dirigente António Filipe a fazer uma figura triste no Prós e Contras da RTP. Uma figura quase patética. Aliás, percebia-se que Filipe estava pouco à vontade naquele papel, consciente de que defendia o indefensável.

Sem coragem para elogiar Maduro, começou por atacar Guaidó, considerando-o um Presidente-fantasma, porque se autoproclamara uma coisa que não era.

Aí, uma jurista portuguesa repatriada da Venezuela contestou-o, explicando-lhe que a situação de Guaidó tinha cobertura constitucional. E isto porque fora eleito numas eleições diretas, com uma esmagadora maioria, para a presidência da Assembleia – e Maduro fora escolhido por um colégio eleitoral, esse sim fantoche, com muitos membros nomeados por ele próprio.

Ora, estando Maduro numa situação objetivamente irregular, o presidente da Assembleia tinha poderes para o substituir.

Filipe sentiu-se incomodado com a ‘lição’ que supostamente acabara de receber e, puxando dos galões, respondeu à senhora que, se ela era advogada, ele era professor de Direito Constitucional, sabendo muito bem do que falava. A jurista respondeu-lhe que ele conheceria a Constituição portuguesa… mas não a venezuelana.

A seguir, prosseguindo no objetivo de menorizar Guaidó, António Filipe disse que nem toda a oposição o apoiava, citando um tal Capriles, governador de um dos Estados venezuelanos, que não o reconhecia como Presidente. Aí, levantou-se um jornalista da RTP que esteve recentemente na Venezuela em reportagem, Hélder Silva, que desmentiu a afirmação: tinha entrevistado Guaidó com Capriles ao lado, eram amigos e o governador apoiava-o. Filipe engoliu em seco.

Em desespero, acabou por se virar para o secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, perguntando-lhe com quem falava para tratar dos assuntos relativos aos portugueses na Venezuela: com Guaidó ou com Maduro? O governante respondeu-lhe o óbvio: que tratava com Maduro, mas isso não impedia que acompanhasse Guaidó no pedido de eleições livres, até porque o regime venezuelano tinha prendido ilegalmente comerciantes portugueses, colocando-se a si próprio fora da lei.

O PCP destacou Filipe para defender a sua posição relativamente à Venezuela, mas o tiro saiu-lhe pela culatra: só se expôs ainda mais. Não se percebe por que razão os comunistas continuam tão agarrados ao passado, defendendo governos e regimes não democráticos, e surgindo aos olhos dos portugueses como um partido fora do tempo.

Vendo o que se passa na Venezuela, com uma corrente contínua de gente a fugir do país, com os supermercados de prateleiras vazias, com pessoas a morrer de fome, com os hospitais sem medicamentos nem meios para cuidarem dos doentes, os portugueses interrogam-se: mas é isto o que o PCP defende para Portugal? É com isto que o PCP sonha? Quem se sente atraído a votar num partido que se diz amigo do ditador venezuelano que pôs o seu país naquele estado?

Embora não se democratizando – e os partidos comunistas que se democratizaram já acabaram –, o PCP poderia ter hoje no xadrez internacional uma posição mais independente, mais autêntica, mais aderente à realidade.

Uma coisa era o tempo da União Soviética, em que o Partido Comunista se inseria dentro da lógica da Guerra Fria e se situava obrigatoriamente ao lado do bloco comunista contra o Ocidente. Outra coisa é este tempo, em que tudo se sabe, tudo se conhece, e apoiar regimes anacrónicos como a Venezuela ou a Coreia do Norte é fatal para a imagem de quem o faz. Isso mesmo foi patente na presença de António Filipe na TV: estava obviamente desconfortável naquela situação, faltavam-lhe os argumentos e dispunha de informações erradas – acabando por ser desmentido em direto.

Esquecia-me de dizer que umas semanas antes tinha visto fugazmente Francisco Louçã num programa a defender Maduro. Mas disso não posso falar pois, mal vejo Louçã no ecrã, mudo de canal. Todos temos os nossos limites.