A democracia, segundo a UE

O Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, brindou-nos recentemente com uma tirada digna de um filme cómico, quando, ao procurar justificar a necessidade da permanência do Reino Unido na União Europeia, afirmou em pleno Parlamento Europeu: “Não podemos trair o desejo de seis milhões de pessoas que assinaram uma petição para revogar o Artigo 50.o,…

O Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, brindou-nos recentemente com uma tirada digna de um filme cómico, quando, ao procurar justificar a necessidade da permanência do Reino Unido na União Europeia, afirmou em pleno Parlamento Europeu: “Não podemos trair o desejo de seis milhões de pessoas que assinaram uma petição para revogar o Artigo 50.o, ou de um milhão de pessoas que marcharam a pedir um segundo referendo, ou a crescente maioria de pessoas que querem permanecer na União Europeia”!

Ou seja, ficámos esclarecidos sobre o conceito de democracia interiorizado nas brilhantes mentes dos burocratas de Bruxelas: uma manifestação de rua vale mais do que um referendo e uma petição, mesmo que assinada por apenas seis milhões de almas, tem um significado maior do que o voto maioritário depositado nas urnas, em referendo, por 17, 41 milhões de eleitores.

A consulta popular dos britânicos, que livremente escolheram deixar de se sujeitar às políticas impostas por Bruxelas, vale zero, quando comparada a outras formas de expressão não validadas constitucionalmente.

Mas Tusk foi ainda mais longe, ao enfatizar que essas pessoas, as que não querem continuar subordinadas a um poder não eleito e emanado do exterior, não são apenas britânicas, mas sim são europeias!

O recado dirigido aos súbditos de Sua Majestade a Rainha Isabel ll não podia ser mais explícito, advertindo-os  de que não se podem esquecer de que são, antes de tudo, cidadãos europeus, condição que se sobrepõe à da nacionalidade britânica que lhes foi atribuída à nascença, mesmo quando são chamados a pronunciar-se sobre o futuro do seu país.

Quando o presidente dos zelosos deputados que assentaram praça em Estrasburgo se refere a uma suposta crescente maioria de pessoas que querem permanecer na União Europeia, mais não está do que a distorcer uma realidade cada vez mais evidente.

É um facto de que muitos países, se resolverem referendar a possibilidade de deixarem de obedecer a Bruxelas, chegarão à conclusão de que uma grande maioria dos seus indígenas se oporá a tal eventualidade.

Estamos a falar, obviamente, dos países que não produzem o suficiente para a sua auto-subsistência e, como consequência desse seu atraso crónico, estão condenados à esmola que lhes é concedida pelos outros que geram a sua própria riqueza.

Infelizmente, para nossa vergonha e desgraça, nós, portugueses de hoje, integramo-nos nesse grupo!

Mas nenhum responsável político de boa-fé, falando em nome da Europa ou em particular no de uma das suas Nações, poderá negar o alastrar de um sentimento de desconfiança para com as instituições europeias, principalmente junto das populações dos países que mais sustentam as mordomias dos esbanjadores dos fundos europeus.

Não são só os ingleses que se fartaram da arrogância e da incompetência dos parasitas de Bruxelas e de Estrasburgo, basta perguntar, em referendo, aos povos mais ricos do espaço comum europeu e a resposta conduzirá, certamente, a mais uma dor de cabeça para quem insiste numa coesão que não passa de uma utopia.

E o argumento, com o qual os britânicos têm sido massacrados desde que, democraticamente, tomaram uma decisão que Bruxelas não se cansa de procurar reverter, não pega: o de que a saída da União Europeia conduz ao caos e à perda de rendimentos de quem ficou entregue a si próprio.

Basta ter-se em consideração a Suíça e a Noruega, apenas os países onde os seus cidadãos dispõem do melhor poder de compra em todo o mundo, e outros exemplos, como o Mónaco, a Andorra, o Liechtenstein e a Islândia, tudo terras onde se vive muito bem e nas quais os seus habitantes nem querem ouvir falar dessa coisa da Europa igual para todos.

O ideal europeu foi por todos partilhado enquanto se manteve na sua génese, ou seja, uma comunidade assente numa política económica comum aos seus estados membros.

A partir do momento em que o caminho traçado pelos seus fundadores foi sendo desvirtuado, tornando-se numa pesada máquina burocrática que se impõe como o centro político decisório de todos os estados que dela fazem parte, não respeitando as naturais e óbvias diferenças culturais, religiosas, sociais e históricas dos vários povos que preenchem o seu espaço, a União Europeia cavou a sua própria sepultura e hoje não passa de uma crónica de uma morte anunciada.

Quanto a Donald Trusk, é bom que deixe de lançar mais achas para a fogueira em que a Europa arde e tente ter juízo, escudando-se de dar lições de democracia aos ingleses.

Engraçado que logo ele, proveniente de um país que somente há pouco mais de duas décadas sabe o que é auscultar a opinião das pessoas através de um escrutínio livre e a todos dirigido, venha querer ensinar a um povo que se orgulha, e muito justamente, de praticar a mais velha democracia  da humanidade, de como deve esta funcionar.

 

Pedro Ochôa