Casas. Bomba-relógio no setor

Responsáveis do setor admitem que os preços continuam desajustados e explicam que isso se deve à falta de oferta face à elevada procura. Mas já fala em estabilização de valor e dizem que casas demoram mais tempo a ser vendidas.

Os preços das casas continuam a fazer soar alarmes. Os valores atingem níveis recorde e a associação que representa o setor justifica este cenário com a elevada procura face à fraca oferta. Está criada assim uma ‘bomba relógio’ no mercado imobiliário. «A falta de casas está a estrangular o mercado pelos desequilíbrios que gera entre a procura e a oferta, fazendo com que a pouca oferta existente seja disponibilizada a preços acima do que seria desejável», diz ao SOL, Luís Lima, presidente da APEMIP. 

Este desequilíbrio forte entre a procura e a oferta motivado pela falta de stock imobiliário leva aos valores que estão hoje a ser praticados, sobretudo nas principais cidades do país. Uma situação que, segundo o responsável, faz com que as casas estejam «acima das possibilidades da generalidade das famílias portugueses».

Também Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, admite ao SOL que «os preços aumentaram a um ritmo bastante superior à subida do rendimento disponível dos portugueses»: «Registou-se, também, uma concentração na obra nova e na reabilitação em projetos de luxo e turísticos, o que gerou uma grande carência na oferta de imóveis para a classe média portuguesa». 

A verdade é que este momento de euforia acabou por influenciar os resultados das mediadoras que, no ano passado, apresentarem resultados recorde tanto em termos de valores como em termos de volume. Mas a opinião é unânime junto das empresas contactadas pelo SOL: já se está a assistir a um abrandamento no crescimento das transações, em consequência da limitação do poder de compra dos portugueses e da falta de oferta ajustada à procura existente. 

«Os preços, em particular na cidade Lisboa, começam a estabilizar e no caso dos imóveis usados, os proprietários já estão a ajustar os preços para venderem mais rápido. Contudo, nas zonas periféricas da cidade e nos subúrbios, os preços estão, e vão continuar, a registar subidas originadas pela deslocação da procura para esses mercados, em busca de preços mais acessíveis», diz Ricardo Sousa. 

Também a RE/MAX admite ser consensual entre os analistas que venha a verificar-se a curto e médio prazo uma relativa estabilização dos preços. «É expectável que os aumentos registados nos últimos dois anos não sejam tão acentuados, tal não significa que possa ocorrer uma quebra, mas tão simplesmente um maior equilíbrio entre a oferta e procura», refere ao SOL.

Uma opinião partilhada por Paulo Morgado, administrador da ERA Portugal, que defende que o aumento da oferta de imóveis irá contribuir para uma estabilização dos preços e para uma melhoria na qualidade de vida nas cidades. «A conjuntura do setor imobiliário é favorável a Portugal e tem contribuído para a redução do desemprego e para o crescimento económico», diz.

Ainda assim, o responsável chama a atenção para o facto de o setor imobiliário ser um dos motores mais importantes na economia de qualquer país. «Quanto mais forte for o setor imobiliário, mais forte é a economia do país. Por essa razão, é importante que todos os responsáveis pelas políticas macroeconómicas criem as condições necessárias para que o setor imobiliário continue e desenvolver-se, a internacionalizar-se e a tornar-se mais competitivo, para puxar pelo resto da economia», salienta.

Mais tempo para vender

Face aos preços que são praticados no mercado, os imóveis já demoram mais tempo a ser vendidos. A explicação é simples: o stock existente não corresponde às necessidades e possibilidades dos portugueses. A APEMIP lembra, no entanto, que tudo depende da zona de comercialização. Ainda assim, os preços médios no terceiro trimestre fixaram-se nos 984 euros por metro quadrado. 

«A oferta disponível começa a ser completamente desadequada à procura existente. Por um lado, os preços praticados são absolutamente proibitivos para a classe média/média baixa. Por outro, mesmo para uma classe mais elevada, os preços elevados começam a retrair os potenciais compradores, que sentem que o mercado está demasiado quente, adiando assim o negócio», garante Luís Lima.

Também a ERA admite que quando o imóvel é comercializado a preços muito elevados demora mais tempo a vender, caso contrário «a venda é bastante rápida». E lembra que, no ano passado, o preço médio de venda rondou os 128 mil euros no país. 

Mais elevada é a média de preços da Century21 que, no ano passado, se fixou nos 148 mil euros. «O tempo médio de venda dos imóveis já começou a aumentar, porque os portugueses não estão a conseguir acompanhar os níveis de preços pedidos para aquisição de habitação e há cada vez menos famílias a conseguirem, efetivamente, encontrar as soluções de habitação que pretendem pelos valores que podem despender para compra de casa», lembra Ricardo Sousa. 

Já a RE/MAX considera que a estabilização dos preços a que poderemos assistir em 2019 não irá aliviar o tempo de venda de casas e em relação à média de preços cobrada chama a atenção para números muito díspares. «Os preços médios de venda praticados em Lisboa ou no Porto são muito superiores aos registados em muitos outros concelhos do país, havendo igualmente grandes diferenças entre os concelhos maioritariamente urbanos e os situados em zonas mais rurais. Por este motivo, a média enquanto medida estatística perde importância, pelo que o valor médio a nível nacional carece de representatividade», afirma.

Madonna sem impacto

Em relação à intenção de Madonna querer deixar Portugal, as mediadoras garantem que isso terá pouca influência nos preços que serão cobrados no setor, principalmente em Lisboa. «A saída da cantora e artista Madonna, pelo efeito mediático que tem, poderá influenciar um ou outro potencial cliente comprador/investidor, mas será sempre algo muito pontual e casuístico, mas não será de todo correto individualizar o dinamismo do setor, restringindo-o à influência de uma única pessoa», diz ao SOL, a RE/MAX. 

Também a APEMIP, apesar de reconhecer que a vinda da cantora promoveu Lisboa e o país como um bom destino turístico, alerta para o facto de não regular os preços de mercado. «Não tem essa influência no mercado e, além disso, continuamos com outras estrelas internacionais a viver no nosso país, e com certeza que outras mais virão», lembra Luís Lima.

Arrendamento com peso reduzido

As mediadoras são unânimes ao considerarem que o mercado de arrendamento continua a ter pouco peso no setor. A RE/MAX lembra que o mercado de arrendamento nunca teve a importância relativa que existe em outros países. «Por razões históricas e até culturais (Portugal é dos países onde existe maior percentagem de habitação própria adquirida), o mercado de arrendamento tem acompanhado a subida dos preços que se regista no mercado de compra/venda», diz ao SOL a mediadora.

Mas Paulo Morgado, administrador da ERA Portugal, justifica esta fraca aposta: «Com o crédito habitação tão competitivo em termos de preço, as prestações mensais pagas ao banco acabam por ser muitas vezes inferiores ao valor do arrendamento mensal. Perante este cenário muitas pessoas continuam a optar pela compra porque, para além de ser uma poupança é um investimento com uma boa probabilidade de criar mais-valias a prazo, num contexto em que o imobiliário está de forma transversal a valorizar-se».

Já Ricardo Sousa é mais crítico em relação a este segmento de mercado. «Continuamos com um mercado de arrendamento pouco profissional, pouco estruturado e nada ajustado à procura existente», defendendo que «é necessária uma maior concentração da oferta, para que grandes proprietários possam maximizar as economias de escala, minimizar o risco através de uma carteira diversificada e terem dados concretos de mercado para poderem oferecer rendas ajustadas à procura», afirma ao SOL. 

Para o responsável, a solução passa por ter um mercado mais flexível, transparente e estruturado. «A instabilidade legislativa não tem ajudado à atração de investidores que queiram apostar neste segmento de mercado e tem também penalizado centenas de milhares de famílias – que são a base da oferta de arrendamento – que têm colocado as suas poupanças em imóveis para colocar no mercado de arrendamento», conclui.