Superjuízes unidos pela sobrevivência

Carlos Alexandre, Ivo Rosa e Ana Peres estão contra o fim do Tribunal Central de Instrução Criminal, que recebe os processos mais complexos de competência nacional, e pretendem sair das instalações da Polícia Judiciária. PJ diz que chegada de novos inspetores não implica despejo do ‘Ticão’. 

Nos últimos tempos, o tema da possível extinção do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) – onde vão parar os mega processos de competência nacional, como é o caso da Operação Marques e do processo BES – tem sido  mediatizado. Agora os juízes Carlos Alexandre, Ivo Rosa e Ana Peres tomaram uma posição conjunta, mostrando-se contra o fim do tribunal comummente conhecido como ‘Ticão’. Ao que o SOL apurou esta posição foi transmitida de forma clara numa reunião entre os magistrados, o candidato à vice-presidência do Conselho Superior da Magistratura, José Sousa Lameira, e outros elementos da lista B.

No encontro, que aconteceu no final de março e cuja marcação foi intermediada pela juiz presidente da comarca de Lisboa, os juízes manifestaram ainda o descontentamento com o facto de estarem há tanto tempo de forma provisória nas instalações da Polícia Judiciária, neste caso no antigo edifício.

Ainda que contactado ontem o juiz conselheiro José Sousa Lameira tenha preferido não fazer qualquer comentário sobre a reunião, o SOL sabe que terá ficado sensibilizado com o que foi relatado pelos magistrados.

Ao que o SOL apurou, no encontro houve até um momento insólito, com o juiz Carlos Alexandre a fazer um mea culpa ao seu colega Ivo Rosa. Tudo porque desde o início Ivo Rosa se mostrou contra a instalação do tribunal nas instalações da PJ – contrariamente a Carlos Alexandre, que em 2016 foi favorável à mudança do Palácio da Justiça para a sede da diretoria de Lisboa daquela polícia.

Apesar de os três juízes não estarem satisfeitos com o facto de o Tribunal Central de Instrução Criminal estar num piso de um edifício da PJ, já terão comentado com alguns colegas que a chegada dos 120 novos inspetores, cuja grande maioria ficará em Lisboa, poderá ser um pretexto para que se acelere um possível processo de saída, sem que tenham sido estudadas as melhores soluções.

Mas do lado da Polícia Judiciária, a direção nacional garantiu ao SOL_que a chegada dos novos inspetores «não põe minimamente em causa a utilização de quaisquer instalações por parte do tribunal», uma vez que não haverá grandes alterações no que toca à divisão de serviços face ao que já existe hoje. E refere que nem sequer será preciso reduzir o espaço atualmente afeto ao Ticão: «O espaço que está afeto ao tribunal não é para ser posto em causa. E tínhamos espaço para mais 200, 300, 400 elementos se fosse preciso e nunca se poderia pôr em causa o tribunal».

Uma fonte judicial explica que, no caso da saída do tribunal das atuais instalações, haveria várias hipóteses a ser estudadas, como é o caso do Palácio da Justiça e do Campus de Justiça – por onde já passou o TCIC – e ainda do Tribunal de Monsanto, que desde que foi aberta a mega sala do Campus de Justiça deixou de ser utilizado, tendo até sido encerrada a esquadra da PSP que lá existia. A nova sala do Campus de Justiça tem uma área de 163 metros quadrados e capacidade para 76 arguidos e 62 mandatários.

 

Extinção e fusão defendidas por alguns

A posição conjunta contra uma possível extinção daquele tribunal surge depois de, por várias vezes, esse cenário ter sido suscitado na praça pública. Numa entrevista concedida ao Expresso em setembro do ano passado, o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça trouxe para o espaço mediático o que muitos já falavam nos corredores – o fim do TCIC. Henriques Gaspar foi claro: «Trata-se de um tribunal cuja existência eu nunca compreendi e que hoje em dia não tem razão de ser. As funções do TCIC deviam ser desempenhadas pelos tribunais de instrução criminal».

A fusão com o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa foi outra das soluções defendidas publicamente. O vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura – que se recandidatou às próximas eleições – lembrou, em declarações à publicação Advocatus, que o TIC_de Lisboa tem sete juízes e que o TCIC apenas dois magistrados (ainda que atualmente conte também com a juíza Ana Peres, na altura tinha apenas Carlos Alexandre e Ivo Rosa), para referir o que considera que seriam os benefícios de uma junção: «Com um quadro de, pelo menos, nove juízes, evitar-se-ia que fossem sempre os mesmos dois juízes que estivessem no centro da atenção mediática».

O SOL questionou ontem o Conselho Superior da Magistratura sobre o futuro do Ticão e das instalações do mesmo, bem como sobre as preocupações manifestadas pelos juízes na reunião do mês passado, mas o órgão de disciplina dos juízes não quis fazer qualquer comentário: «O CSM não tem comentários a fazer sobre a questão colocada, tanto mais que o CSM não interfere em campanhas eleitorais».

 

Juiz presidente não sabe o que foi dito por juízes

Já a juiz presidente da Comarca de Lisboa, Amélia Almeida, que disse ao SOL ser normal as listas pedirem ao presidente da comarca para avisarem que vão apresentar o seu programa a um qualquer tribunal, garantiu desconhecer o que se passou na referida reunião mantida entre os juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal e os membros da lista B. E disse também desconhecer o descontentamento dos magistrados por se encontrarem nas instalações da diretoria de Lisboa da Polícia Judiciária.

Sem querer dar a sua opinião sobre o tema da extinção do Tribunal Central de Instrução Criminal, Amélia Almeida afirmou apenas: «Não sei de mais nada além do que vi nas notícias».

Questionado na quinta-feira sobre todas estas matérias, incluindo sobre a hipótese de extinção do tribunal e a evolução do fluxo de processos no mesmo, o Ministério da Justiça, tutelado por Francisca Van Dunem, não enviou qualquer resposta até à hora de fecho desta edição.