Atual carga fiscal supera o ‘enorme aumento de impostos’ de Vítor Gaspar

A carga fiscal atingiu 35,4% do PIB em 2018. Mário Centeno e António Costa recorrem a novas ‘fórmulas’ para explicar aumento, mas economistas contactados pelo SOL decifram números. 

Atual carga fiscal supera o ‘enorme aumento de impostos’ de Vítor Gaspar

Não há dúvidas, a carga fiscal bateu um novo nível recorde no ano passado ao atingir 35,4% do Produto Interno Bruto (PIB), depois de no ano anterior ter chegado a 34,4%, o valor mais alto de sempre a par do ano de 2015. Mas o Ministro das Finanças afasta esse cenário e opta por usar um novo indicador: medir a pressão fiscal que fica para o futuro. E, com essa nova ‘fórmula’, Mário Centeno reclama uma redução na legislatura, argumentando que devolveu seis mil milhões de euros para o futuro e defendendo que a pressão fiscal está «no valor mais baixo» desde que há dados comparáveis, ou seja, 1995.

Para esta subida, contribuiram os aumentos dos impostos sobre o rendimento (IRS e IRC), que cresceram 1.225,3 milhões de euros, e as receitas de IVA, que aumentaram 1.040,4 milhões de euros. No total, a carga fiscal aumentou 4.329,8 milhões de euros. Para termos uma noção do que representa este montante, saiba que o novo aeroporto do Montijo vai exigir um investimento global de 1.747 milhões de euros. Isto significa que, com o aumento que o Estado conseguiu arrecadar de impostos, dava para construir duas infraestruturas semelhantes à do Montijo e ainda sobravam mais de 800 milhões.

No entanto, o ministro considera que julgar a carga fiscal sobre os contribuintes apenas pela receita fiscal de um ano «resulta numa medida parcial e imprecisa» e «pode esconder encargos futuros», que recaem sobre as gerações seguintes. Ou seja, segundo o governante, não é possível olhar apenas para a cobrança fiscal de um ano, já que também é necessário o alívio que se deixa para os anos seguintes.

O gabinete de Mário Centeno lembrou que a despesa pública é financiada por três vias: os impostos, as receitas não fiscais (de que são exemplos a venda de bens e serviços, a venda de ativos ou a cobrança de rendas) e o endividamento, que «recai sobre as gerações futuras». Além disso, chama ainda a atenção que a relação entre a despesa, por um lado, e impostos e endividamento, por outro, «mostra como é importante saber não apenas que impostos se cobram em cada ano, mas também a parte da despesa que fica para pagar no futuro», isto é, «o défice orçamental que se materializa num aumento da dívida pública».

E, segundo o mesmo, o aumento da dívida pública vai traduzir-se no pagamento de juros em anos posteriores, «e, assim, onerar orçamentos futuros com mais impostos».

Também António Costa tem rejeito o cenário de que o aumento da receita se deve a um aumento de impostos, preferindo justificar que tal se deveu «ao aumento daquilo que são os rendimentos das famílias, que são o número de postos de trabalho criados e que é o crescimento da economia», como inisistiu esta semana no debate quinzenal.

E deu como exemplo o aumento de 350 mil novos postos de trabalho, o que contribui para aumentar as contribuições para a Segurança Social. «Neste momento, existem mais empregos e mais salários», afirmou o primeiro-ministro, acrescentando que esta «é uma receita virtuosa e não a receita viciosa que existiu no tempo do anterior Governo», respondendo aos ataques dos centristas.

 

Aumento recorde

A verdade é que estes argumentos não convencem os economistas contactados pelo SOL. Ainda assim, João Ferreira do Amaral estranha as críticas que têm sido feitas da esquerda à direita e lembra que «para reduzir o défice ou se aumenta a cobrança de impostos ou se contém a despesa. A contenção das despesas tem sido muto criticado (cativações, investimento público, professores, etc..), por vezes pelos mesmos que acham a carga fiscal excessiva. A velha demagogia da redução miraculosa do défice sem maior cobrança de impostos ou contenção da despesa dá bem a medida da imaturidade persistente da nossa democracia», diz ao SOL.

Também Filipe Garcia admite que, em primeiro lugar, o assunto tem que ser visto sob o ângulo da comunicação, lembrando que «foi dado a entender que tinha terminado a ‘austeridade’», mas não tem dúvidas: «Os números mostram que não é esse o caso. O aumento da carga fiscal supera o ‘enorme aumento de impostos’ anunciado por Vítor Gaspar».

O economista da Informação de Mercados Financeiros (IFF) reconhece que o objetivo de diminuir a dívida «é correto e virtuoso», pois representara diminuir os encargos e reduzir a vulnerabilidade do país, mas defende que uma das formas que poderia ser seguida para reduzir a dívida seria a de diminuir a despesa, porque a sua rigidez é maior e, numa eventual desaceleração, vai provocar um «disparo» no défice. «Estão a ser assumidas muitas responsabilidades que são passíveis de ser pagas num contexto de crescimento, mas que a prazo poderão ser uma grande dor de cabeça. E isto sem ter em conta prestações sociais, como desemprego e reformas, que tenderão a aumentar num contexto mais difícil de emprego», diz ao SOL, lembrando também que nestas contas não está a ser contemplado o fator envelhecimento da população.

Também Eduardo Silva, head of sales da XTB, reconhece que a carga fiscal é historicamente a mais elevada de todos os tempos: 35,4% do PIB através de impostos diretos e indiretos, mas lembra que «é uma necessidade real considerando a dívida acumulada e a responsabilidade que temos perante as gerações futuras e o custo de governação atual», diz ao SOL. O economista lembra ainda que «o facilitismo monetário na Europa garantiu condições de governação particularmente fáceis para este governo e irá continuar assim por algum tempo, mas quando acabar é que vamos ter realmente que ter aproveitado para resolver os nossos problemas». Mas diz que, se o rigor orçamental é mérito deste Governo, mesmo que seja à custa de impostos e um claro deteriorar dos gastos, principalmente na Saúde, defende que «com os sacrifícios da população, a dívida devia era estar a cair a um ritmo mais forte, porque em ano de eleições já se previam medidas populistas como desbloquear de impasses salariais na função pública e os subsídios nos passes».

 

Receita é para se manter

Os economistas contactados pelo SOL não têm dúvidas: esta receita é para manter. «Não existe margem e quem reduzir a carga fiscal e descurar no rigor orçamental está simplesmente a empurrar o problema para a frente e comprometer as gerações futuras», diz Eduardo Silva, acrescentando: «O que tem de ser feito é garantir que os esforços são direcionados para garantir a sustentabilidade futura e claramente não está a ser feito a um ritmo que crie uma almofada para quando as condições de financiamento se alterarem».

Ainda assim, o economista acredita que este caminho poderia ser invertido se o Governo optasse por outra estratégia, nomeadamente através da redução da despesa estrutural, do menor peso do Estado na economia para melhorar a competitividade e agilizar a economia.

Também João Ferreira do Amaral garante que, tendo em conta as regras de Bruxelas, não «vê outra alternativa melhor». E não tem dúvidas: «O mal está nas regras».

Em relação às três prioridades que o primeiro-ministro para a próxima legislatura e que considera serem mais urgentes do que a redução dos impostos – melhorar os serviços públicos, nomeadamente o Serviço Nacional de Saúde (SNS), cortar a dívida pública e reforçar o investimento – João Ferreira do Amaral diz estar de acordo, mas se, no conceito de investimento, estiver incluído o chamado investimento em capital humano (educação, formação), que, no seu entender, é a nossa maior necessidade. «A redução da dívida pública não deveria ter a mesma prioridade das outras, mas mais uma vez deriva das regras bruxelenses», diz ao SOL.

Mais dúvidas em relação à concretização destas prioridades tem Eduardo Silva ao garantir que «não é um discurso realista devido à carga de juros e compromissos atuais». E lembra: «Na teoria, está tudo correto, mas como sabemos não é um discurso novo nem é possível».