Rendas de energia. EDP foi beneficiada pelos governos PS e PSD

Esta é uma das conclusões do relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas.  Documento diz ainda que sobre-remuneração dos contratos até 2027 deve ser revista.

A “opção política” do desenho dos contratos de aquisição de energia (CAE), em 1996, atribuiu à EDP uma “renda por 20 anos” para a robustecer financeiramente, conclui o relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas. E com a liberalização do mercado de eletricidade foi necessário substituir os CAE pelos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual), tendo o Estado português assumido a “dupla condição” de legislador e de acionista de controlo da EDP.

“A opção política pela atribuição à EDP desta renda por 20 anos teve em vista o robustecimento financeiro da empresa e a oferta de garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da sua privatização”, diz a versão preliminar do relatório da comissão, cujo relator é o deputado do BE Jorge Costa. 

 “Os CMEC, ajuda de Estado atribuída a título de compensação pela cessação dos CAE, visa manter elevados níveis de rentabilidade anteriores, o que não se coaduna com os critérios da Metodologia europeia para autorização de ajudas de Estado”, aponta.

Foi na “omissão desta contradição entre o regime CMEC e as regras dos Tratados” que, na perspetiva do relator, assentou a “autorização pela Comissão Europeia do regime previsto no decreto lei 240/2004”, que criou os CMEC.
Outra das conclusões do deputado bloquista é que “a manutenção do equilíbrio contratual dos CAE não foi respeitada em diversos pontos da nova legislação”, tal como a ERSE tinha indicado no seu parecer prévio ao decreto que criou os CMEC. De acordo com as contas do regulador, a elétrica recebeu a mais 510 milhões de euros. 

Valores têm de ser corrigidos

O relatório indica que ainda que sobre-remuneração que começou com a atribuição dos contratos de aquisição de energia (CAE) à EDP, e mantida com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) e que estará em vigor até 2027 deve ser revista. “A sobre-remuneração constituída na atribuição dos CAE à EDP e mantida pelos CMEC deve ser revista para o período remanescente deste regime [em vigor até 2027]”,diz o documento. 

No texto é proposto que a Assembleia da República notifique a Direção Geral de Concorrência da Comissão Europeia das conclusões apuradas pela comissão de inquérito para que seja possível uma “eventual reapreciação do regime de auxílio de Estado aprovado em 2004”.

Recorde-se que, ainda permanecem atualmente no regime dos CMEC 16 centrais hídricas da EDP, cujos contratos terminarão faseadamente até 2027 (Alto Lindoso, Touvedo, Venda Nova, Vilarinho das Furnas, Pocinho, Valeira, Vilar-Tabuaço, Régua, Carrapatelo, Torrão, Crestuma-Lever, Caldeirão, Aguieira, Raiva, Pracana, Fratel).

Segundo as contas da ERSE, a EDP vai receber 154,1 milhões de euros pelos CMEC até 2027, menos 102 milhões de euros do que o valor reclamado pela elétrica.

O relatório diz também que o decreto-lei 240/2004 “veio fazer depender da vontade da EDP a extensão da concessão do domínio público hídrico em média por mais 25 anos em todas as centrais hidroeléctricas do país”, realçando que “este novo direito não existia anteriormente nos CAE nem na legislação de 1995. Esta extensão tratou-se de uma decisão clara do governo”, acrescentando que “com esta decisão o governo evitou que o Estado pagasse o valor residual dos equipamentos das centrais, avaliados em 1.356 milhões de euros, mas “perdeu o direito de, através da REN, abrir novos concursos para a exploração dos 26 aproveitamentos hidroelétricos em Portugal, obrigando a que estes ativos ficassem nas mãos de uma única empresa”.

Participação de Pinho

O relatório destaca ainda o papel que os consultores da Boston Consulting Group (BCG) tiveram na liberalização do mercado elétrico em Portugal, com o deputado bloquista a chamar a atenção para a existência de uma equipa de quadros altamente qualificados e com experiência partilhada na consultora, que apoiavam em permanência a EDP, mas, que em 2002-2004, passaram a ter posições de importância crítica no momento da elaboração do novo quadro legal do setor elétrico: na preparação de legislação, negociação com as partes interessadas e com as instituições europeias, no aconselhamento de responsáveis de governo, os assessores Ricardo Ferreira e João Conceição (hoje na EDP e na REN, respetivamente), na liderança do órgão administrativo que tutela a Energia, a DGEG, Miguel Barreto, e, no Conselho de Administração da EDP, Pedro Rezende.

Nas conclusões, lê-se ainda que durante os trabalhados da comissão foram apurados factos sobre a atuação do ex-ministro da Economia Manuel Pinho e do seu antigo assessor João Conceição, “arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da Operação Ciclone”, “reforçando e em nenhum caso contrariando indícios que levaram à abertura do referido processo de investigação”.