A Síndrome de Adolfo

Mesquita Nunes deixa saudades porque foi um bom secretário de Estado, um bom quadro partidário, com boa figura. E porque não se lhe conhecem casos manhosos

Houve relativamente a Adolfo Mesquita Nunes uma desilusão genuína, com pesar manifestado ruidosamente em várias colunas e espaços de opinião, expresso em variantes em torno de «Até, tu, Adolfo!».

Adolfo Mesquita Nunes, jovem promessa da política nacional, virou temporariamente as costas à dita, aos cargos no CDS, e foi ser administrador da Galp.

Ao contrário de ex-ministros que vão para empresas cujo setor tutelaram e que merecem a censura generalizada, neste caso houve consternação. Desta vez, não ficou a ideia de que aqui tínhamos ‘mais um malandro aproveitador da coisa pública’ que depois vai para o setor privado, mas a ideia contrária de que ‘a coisa pública tinha ficado a perder’.

Num tempo em que os políticos se portam mal, em que nomeiam a eito familiares e enchem o aparelho do Estado com a parentela, em que se degradam aos olhos da opinião pública e que defraudam quem neles votou, é saudável ver um que deixa saudades.

E por que Adolfo Mesquita Nunes deixa saudades? Porque foi um bom secretário de Estado, um bom quadro partidário, porque pensa bem, escreve bem, debate bem, é moderno e progressista, tem bom ar, é culto, educado, urbano, civilizado, cosmopolita, tem boa figura. Porque não se lhe conhecem casos manhosos.

Porque tem tudo aquilo que aprendemos a valorizar. Porque queremos que os políticos sejam assim, que os juízes sejam assim, que os médicos, que os professores universitários, os empresários, os gestores ou os advogados sejam assim.

É assim que queremos as nossas elites.

O problema – porque é um problema quando se é suficientemente bom – é que quem tem esse conjunto de atributos e está no setor público começa a achar que está no sítio errado.

Para quê estar na política sendo sério, quando se olha em volta e se veem nomeações de parentes e amigos? Para quê estar na política sendo sério e ver corrupção por todos os lados? Para quê estar na política a aturar comissões de inquérito de ópera bufa com os mais altos funcionários públicos, ou políticos que se mostram verdadeiros débeis mentais ou movidos pela mais torpe má-fé?

Para quê estar no setor público onde a regra não é o mérito, onde há barreiras à entrada, pouca avaliação de desempenho, escassez de recursos, ausência de inovação?

Para quê estar na política quando se tem a opção de estar no setor privado a ganhar muito mais? Quem não pode escolher, fica. Quem pode, vai. Acusado de soberba de gente consumida pela inveja, tantas vezes.

Da próxima vez que virem um bom político, um bom quadro partidário, jovem, que pense bem, escreva bem, debata bem, moderno e progressista, com bom ar, culto, educado, urbano, civilizado, cosmopolita, com boa figura, sem casos manhosos e acharem que é muito bom para político – é porque, se calhar, é mesmo bom demais.

sofiarocha@sol.pt