Dos vencimentos dos políticos às relações familiares

Não admira que os melhores de todos nós em todas as profissões, bem pagos ou muito bem pagos na vida privada, e que poderiam trazer qualidade ao serviço público, na esmagadora maioria não são tentados a isso – e deixam-se estar no setor privado a ganhar bastante mais. Quem não se lembra da ida de…

1. Li nas notícias que os juízes poderiam ver os seus vencimentos revistos, passando a ganhar mais do que o primeiro-ministro. Este assunto tem causado bastante burburinho, havendo mesmo na oposição quem ache mal – como Rui Rio, que rapidamente se veio opor (e, na minha opinião, muito bem). Rio sustenta que no Estado tem de existir uma hierarquia de vencimentos, e obviamente o Presidente da República e o primeiro-ministro deverão estar no topo.

Partindo deste pressuposto, que partilho, a questão dos vencimentos dos cargos públicos está toda ela mal colocada. Os salários dos políticos, em função da responsabilidade que assumem, não são incentivo a servir a causa pública. Este o cerne da questão, já uma vez por mim sustentada nestas colunas, citando uma conversa acesa com um destacado dirigente socialista. Este referia-me há anos que «o assunto é muito delicado e politicamente é impossível de ser mexido». Esse cruzar de braços, essa desistência de retificar o que está mal, faz-me confusão.

Assim, não admira que os melhores de todos nós em todas as profissões, bem pagos ou muito bem pagos na vida privada, e que poderiam trazer qualidade ao serviço público, na esmagadora maioria não são tentados a isso – e deixam-se estar no setor privado a ganhar bastante mais. Quem não se lembra da ida de Paulo Macedo para diretor-geral dos Impostos a ganhar balúrdios para os valores da época? Na altura, raros percecionaram que tais ‘balúrdios’ eram investimento – e, como se veio a comprovar, o erário público recuperou com alta rentabilidade o investimento efetuado.

Claro que neste momento em que todos os euros contam, em que diversas classes profissionais – professores, enfermeiros, GNR, PSP, etc. – reivindicam direitos adquiridos, mexer no vencimento dos políticos era um autêntico suicídio, sobretudo em ano de eleições. Mas o problema continua, e todos – mas todos – pagamos o facto de os nossos melhores se afastarem da causa pública.

Existem certamente outras razões para não irem. Por exemplo, uma exposição inaudita da sua vida privada. Além disso, os que são estruturalmente técnicos em cada área não estão habituados a gerir em função de fatores políticos. Gerem em função dos objetivos a atingir. E estes, por vezes, têm custos eleitorais.

Somando tudo isto, não surpreende que os governantes – ou a classe política que lidera – optem por ter subordinados de base política e não técnica, de preferência seguidista, e que não ousem questioná-los. Isto explica que existam tantas relações de amizade ou familiares no Governo. Desta forma, as certezas de um alinhamento são mais seguras, os imprevistos das decisões individuais são muito menos prováveis.

Claro que, pelo meio, existe Bruxelas – que necessita de ver satisfeitas as suas regras orçamentais. Mas para isso lá está Centeno, com a sua auréola de MC7 (ou seja, o CR7 das finanças!), que vai aguentando o barco com mais cativações e menos investimentos, aguardando o seu lugar de sonho na Europa.

2. O Benfica disse adeus a mais uma competição nacional. Ufanos do orçamento previsto de uns 300 milhões de euros no final desta época, esquecem que a atual superioridade financeira não se traduz no campo. Diversos jogos de aflição contra equipas pequenas foram característica constante desta época e da anterior, sempre com o argumento de que o futebol é imprevisível – como se mentissem as estatísticas que demonstram que os campeonatos são sempre ou quase sempre ganhos pelos mais poderosos financeiramente. Estas desculpas apenas mostram que, de futebol, quem atualmente o dirige percebe muito pouco. Os adeptos querem mais e melhor Benfica – e não querem mais cimento, de rentabilidade muito duvidosa, como o que se anuncia no Seixal ou em Oeiras.

Houve um momento de investimento no Estádio da Luz e no Seixal que foi muito bem feito, mas à custa de uma seca de títulos. Este tempo felizmente terminou há uma década, com apostas claras no futebol e na qualidade da equipa principal. Mas este espírito entretanto perdeu-se, e passou a haver falta de investimento e a alienação prematura de jogadores com enorme potencial.

Também há necessidade de investir na profissionalização da estrutura. É verdade. Mas se o negócio é futebol (e modalidades), há que repensar a sua gestão por forma a aumentar as probabilidades de ser campeão e ter melhor percurso na Champions, sob o risco de, com as atuais políticas de contenção desportiva, privilegiando investimentos em betão, o clube definhar a prazo por escassez de títulos – e, consequentemente, de receitas.