A guerra e o caos estão de volta à Líbia

O general Khalifa Haftar avançou com uma ofensiva para conquistar Trípoli, sede do Governo apoiado pela ONU.

A guerra civil regressou à Líbia. As forças do general e senhor da guerra Khalifa Haftar avançaram para tomar Trípoli, sede do Governo líbio apoiado pela ONU, bombardeando os subúrbios e aeroporto da cidade, o único a funcionar em todo o país. Os bombardeamentos tiveram o objetivo de abrir caminho à coluna militar de Haftar até ao centro da cidade. Nas ruas, os confrontos sucediam-se até à hora de fecho. O exército de Haftar tem 85 mil soldados, muitos dos quais de tribos e milícias. 

Ontem, os combates causaram pelo menos três dezenas de mortos e quase uma centena de feridos, entre os quais civis, desconhecendo-se qual dos lados sofreu o maior número de baixas. A ONU já avançou que não menos de 2800 pessoas fugiram da cidade, com muitas mais a poderem seguir o exemplo, e pediu tréguas, sem que nenhum dos lados lhe tenha reagido.

O frágil Governo do primeiro-ministro, Fayez al-Serraj, tomou conhecimento da ofensiva a 4 de abril, quando Haftar divulgou um vídeo de dezenas de carrinhas de caixa aberta – veículo de guerra comum no país – a avançarem em direção a Trípoli. O Executivo de Trípoli emitiu um alerta de prontidão às suas forças militares e apelou aos seus aliados, maioritariamente milícias, que acorressem em socorro para reforçarem as defesas da capital. No entanto, não se sabe o sucesso do apelo governamental já que Haftar tem o hábito de negociar com milícias antes de avançar militarmente, enfraquecendo assim as defesas do adversário – fê-lo quando tomou Sabha, segunda maior cidade líbia localizada no sul do país. 

Na semana passada, uma pequena escaramuça na cidade de Gharyan, a sul de Trípoli, anunciava o que se seguiria: o retorno do país ao estado de guerra civil. Questionou-se inicialmente se seria apenas uma demonstração de poder por parte de Haftar para aterrorizar os seus adversários e os obrigar a sentarem-se à mesa das negociações, mas não. O seu objetivo é mesmo conquistar a cidade líbia antes da conferência patrocinada pela ONU acontecer – marcada para meados deste mês – e, assim, passar a controlar o país inteiro. Quer assumir-se como homem forte da estabilidade e do combate ao jihadismo no país e é apoiado pela Arábia Saudita, França, Rússia, Emirados Árabes Unidos e Egipto. 

Tudo indicava que uma ofensiva seria apenas uma questão de tempo. Em janeiro, as forças de Haftar conquistaram os campos petrolíferos – o principal recurso – no sul da Líbia e, em fevereiro, tomou Sabha, alargando a sua influência e importância no país, a braços com a instabilidade política desde a Primavera Árabe e queda de Muhammar Khadaffi, em 2011. Agora, o general transformado em senhor da guerra virou-se para o pouco que fica fora do seu controlo: a região da Tripolitânia, da qual Trípoli é capital. 

O general líbio escolheu a dedo o momento para dar a ordem de ataque. Aproveitou o facto dos militares argelinos e a ONU estarem a lidar e atentas à crise política na Argélia para avançar – há muito que os militares argelinos olhavam com desconfiança para as forças do general, colocando soldados nas fronteiras. Haftar deu ordem de ataque quando o secretário-geral da ONU, António Guterres, visitava a capital para preparar a conferência cujo objetivo era encontrar-se uma solução política para a divisão do país em dois governos – o de Trípoli e o do general, sediado em Bengasi. 

Em reação aos confrontos, o Reino Unido pediu uma reunião de emergência do Conselho de Segurança e apresentou uma resolução a condenar as ações de Haftar, com a Rússia e França a recusarem-na. Ao invés, o órgão máximo da ONU limitou-se a apelar “à paragem de todos os avanços militares”. Ontem, Federica Mogherini, chefe da diplomacia da União Europeia, reafirmou a necessidade de uma “trégua humanitária para se evitar futuras ações e escalada militares”.

A ofensiva de Haftar pode ter três desfechos possíveis. No primeiro, o general conquista a cidade, podendo fazer acordos com as milícias para o conseguir, aceitando a manutenção dos seus interesses – tráfico de seres humanos, corrupção, influência, etc – para fragilizar a capacidade militar do Governo de Al-Serraj. A segunda hipótese é a de um conflito demorado, com cada casa a ser conquistada e o número de mortes a ser elevada – é o pior cenário para Haftar e tem como precedente o cerco de três anos a Bengasi, entre 2014 e 2017, entre jihadistas e o exército do general. Por fim, a terceira hipótese é a de a ofensiva ser travada e Haftar manter-se nos arredores de Trípoli, mantendo a pressão militar. Neste cenário, as negociações entre Al-Serraj e Haftar, mediadas pela ONU, teriam a margem de manobra mais significativa entre as três hipóteses. De qualquer das formas, a guerra civil voltou à Líbia.