Irmãos separados pelo futebol. Um hino com séculos

Acredita-se que o primeiro caso conhecido de irmãos que foram separados pelo futebol remonta a finais do século XIX e pertence a John e Archie Goodall. Os jogadores luso-angolanos Wilson Eduardo e João Mário juntaram-se à longa lista depois da estreia do avançado do Sp. Braga pelos Palancas Negras.

Apesar de ter nascido em Portugal, os meus pais são angolanos e estou aqui com o maior orgulho. Espero representar muito bem este país que tanto deu aos meus pais e quero retribuir no relvado». A justificação foi dada pelo futebolista Wilson Eduardo, que optou em 2018 por representar a seleção angolana. «Senti que podia ajudar o país e é isso que vou fazer. Podem esperar de mim profissionalismo e golos. É o que vou tentar fazer, se tiver a oportunidade de jogar», assegurava o jogador do Sp. Braga à imprensa angolana, em novembro passado.

Dito e feito. Embora a sua primeira internacionalização pelos Palancas Negras ter acontecido com uns meses de atraso em relação ao que estava inicialmente previsto, nem as burocracias associadas ao processo impediram o avançado de provar de que vale mais tarde do que nunca.

No passado mês de março, Wilson Eduardo teve finalmente a sua estreia pela Seleção angolana e não podia ter pedido um arranque melhor. O jogador do emblema minhoto assinou o único golo do encontro entre Angola e o Bostsuana, garantindo, desta forma, o apuramento da seleção de Srdjan Vasiljevic para a edição 2019 da CAN – com a liderança do Grupo I da fase de qualificação.

Ao contrário do seu irmão mais novo, João Mário (Inter de Milão), internacional por Portugal desde 2014, só aos 28 anos é que Wilson Eduardo alinha pela primeira vez na seleção principal de um país.

Nascidos na cidade do Porto, os dois irmãos luso-angolanos começaram a jogar futebol nas escolinhas do FC Porto, antes de se transferirem para a capital portuguesa, para integrarem a formação do Sporting.

João Mário acabaria, porém, por evoluir gradualmente até ser integrado na equipa principal dos leões, ao contrário de Wilson Eduardo, que desde 2009 entrou no carrossel dos empréstimos por parte dos verdes-e-brancos a vários clubes portugueses (Portimonense, Beira-Mar, Olhanense, Académica), tendo aterrado a custo zero nos guerreiros do Minho no ano de 2015.

Dois anos mais novo do que o avançado, João Mário, de 26 anos, não demorou a fazer-se notar no emblema de Alvalade e acabou por ser convocado pela primeira vez para a Seleção portuguesa apenas cerca de três meses depois de chegar à equipa A dos leões. Já com Fernando Santos enquanto selecionador, o médio fez a sua estreia pela equipa das Quinas em outubro de 2014, num particular com a França, em que Portugal saiu derrotado por 2-1.

Hoje, o médio – que, recorde-se, no verão de 2016 deu que falar por causa da sua transferência para o futebol italiano, que rendeu, na altura, 40 milhões de euros aos cofres leoninos –, continua a ser considerado uma peça-chave na seleção portuguesa, onde já soma 43 internacionalizações, e o título de campeão Europeu, conquistado em França.

O caso dos irmãos Eduardo, separados pelas seleções, está, todavia, muito longe de ser único ou até raro. A primeira internacionalização de Wilson Eduardo por Angola vem, por isso, juntar os nomes do jogador do Sp. Braga e do Inter a uma longa lista, em que já figurava um exemplo idêntico – os também luso-angolanos irmãos Vidigal.

Lito Vidigal é nos dias de hoje uma presença assídua no campeonato português. Atualmente a orientar o Boavista, o antigo jogador já assumiu vários comandos técnicos de equipas portuguesas, entre as quais estão o Vitória de Setúbal, o Aves, o Arouca ou o Belenenses SAD. Contudo, o treinador que nasceu em Elvas – e que também fez toda a carreira em Portugal – optou por representar a seleção angolana. O_mesmo não viria a verificar-se com com José Luís Vidigal, irmão do atual homem forte do Bessa, que nasceu na cidade angolana de Sá da Bandeira, mas cresceu em Portugal. O ex-médio torna-se assim o João Mário deste caso. À semelhança do atual jogador do emblema de Milão, Luís Vidigal também teve uma passagem com marca pelo Sporting (sagrou-se campeão nacional em 1999/00 e venceu a Supertaça de Portugal em 2000) antes de se mudar para o campeonato italiano, desta feita para o Nápoles.

Foi, tal como o médio do Inter, chamado pela primeira vez para a equipa das Quinas quando estava no emblema de Alvalade – em fevereiro de 2000, com Humberto Coelho à frente dos destinos da formação lusa.

Luís Vidigal fez a primeira internacionalização num amigável com a Bélgica, que terminou empatado a uma bola, e no total contou com 15 jogos pela seleção portuguesa. O ex-jogador pode, de resto, gabar-se por ter feito equipa com vários pesos-pesados da história da seleção nacional, entre os quais moram Luís Figo
e Rui Costa.

Por sua vez, Lito Vidigal, que teve um percurso muito menos chamativo enquanto jogador – passou pelo Campomaiorense, Estrela Portalegre, Belenenses e Santa Clara –, acabou por registar 29 internacionalizações pelos Palancas Negras.

Acredita-se, porém, que o primeiro caso conhecido de irmãos que foram ‘separados’ pelo futebol remonta a finais do século XIX, inícios do século XX, e pertence a John e Archie Goodall, que eram filhos de pai e mãe escoceses, mas nasceram em países diferentes, Inglaterra e Irlanda do Norte, respetivamente. Ambos optaram por representar as suas seleções de origem.

 

Do inédito caso Xhaka ao trio Pogba

Além dos casos já referidos, é quase certo que o leitor se recorda do ‘caso Xhaka’, que fez correr muita tinta no Euro2016, já que foi a primeira vez na história que dois irmãos se defrontaram num encontro de uma fase final de um Campeonato da Europa.

Os irmãos Xhaka, Taulant pela Albânia e Granit pela Suíça, foram titulares no jogo entre as duas seleções (que a Suíça venceu por 1-0), da primeira jornada do Grupo A do Europeu disputado em França.

Taulant e Granit são filhos de pais kosovares-albaneses, nasceram em Basileia (Suíça) e ambos passaram pela seleção helvética nos escalões de formação, tendo Taulant, o mais velho, de 28 anos, optado pela nacionalidade albanesa, enquanto Granit, de 26, permaneceu suíço.

Granit Xhaka encontra-se desde o verão de 2016 nos ingleses do Arsenal, que pagou 45 milhões de euros ao Borussia Mönchengladbach para garantir o médio.

Já Taulant encontra-se no Basileia, o seu clube de sempre, com exceção das duas temporadas que esteve nos suíços do Grasshoppers, por empréstimo.

Por se tratar de um caso inédito, o fenómeno Xhaka tornou-se viral durante a competição que viria a ser conquistada por Portugal, mas, em boa verdade, há casos bem mais mediáticos do que este.

São eles os exemplos dos irmãos Alcántara – Rafinha (Brasil) e Thiago (Espanha) – e os irmãos Boateng – Jérôme (Alemanha) e Kevin-Prince (Gana).

Com apenas um ano de diferença, Rafinha, de 26, e Thiago, de 27, são filhos de pais brasileiros, mas desde cedo que se mudaram para Espanha para integrarem os escalões de formação do Barcelona, atual equipa do médio brasileiro. Já Thiago está desde 2013 nos alemães do Bayern Munique, onde chegou proveniente do plantel blaugrana, que representou entre 2011 e 2013.

O médio da equipa alemã já soma, de resto, 34 internacionalizações pela La Roja, em que teve a sua estreia há quase oito anos (agosto de 2011).

Por sua vez, o médio centro da equipa catalã soma apenas dois jogos pela seleção brasileira, em que fez a sua estreia num amigável ante a Costa Rica, em 2015.

Mazinho, pai dos jogadores e campeão mundial pela seleção canarinha em 1994, já abordou várias vezes a questão da separação dos filhos, responsabilizando a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pela situação.

De acordo com o ex-jogador, Thiago – que até nasceu em Itália devido a Mazinho estar naquela altura a competir na Liga daquele país –, foi vítima da política da CBF, que resolveu não abrir a porta da seleção aos jogadores formados fora do Brasil. A abordagem do órgão que rege o futebol brasileiro foi entretanto alterada, precisamente após um debate que começou com o jogador do Bayern, que se havia destacado num torneio. Foi, aliás, o ‘erro’ cometido com Thiago que viria a alterar os estatutos da CBF e permitiria, consequentemente, a entrada do irmão Rafinha na canarinha.

O também empresários dos dois médios garante que esta será para sempre uma mágoa do seu filho mais velho já que, defende, qualquer jogador brasileiro sonha jogar pela seleção canarinha.

No que diz respeito aos irmãos Boateng, Jérôme, defesa do Bayern de Munique, joga pela Alemanha, enquanto que Kevin-Prince, médio emprestado pelo Sassuolo ao Barcelona, representa o Gana. Filhos de pai ganês e de mães alemãs, os dois meio-irmãos nasceram na Alemanha, nos arredores de Berlim, e poderiam, por isso, representar o mesmo país. Mas não quis o destino que assim fosse.

Em 2010, sem nunca ter sido chamado para defender a Mannschaft, o ponta de lança acabou por aceitar o convite do país do seu pai para representar o Gana no Mundial2010, na África do Sul.

Coincidentemente, o sorteio do Campeonato do Mundo colocou o Gana e a Alemanha no mesmo grupo, tornando os irmãos Boateng no primeiro caso de dois irmãos a encontrarem-se numa fase final de um Mundial. Nesse ano, o Gana de Kevin-Prince despediu-se nos quartos-de-final enquanto os alemães de Jérôme e companhia foram eliminados na meia-final.

Surpreendentemente, o cenário voltou a repetir-se quatro anos depois, no Mundial de 2014, com a Alemanha e o Gana a figurarem no mesmo grupo da prova que se realizou no Brasil e que viria a coroar a formação germânica campeã do Mundo. Desta vez, o Gana cairia precocemente na competição, sem passar da fase de grupos.

Na história dos encontros entre os dois irmãos nas respetivas seleções fica a ligeira vantagem do atual jogador do Bayern, que conta com uma vitória e um empate (em 2010, a Mannschaft venceu o Gana por 2-1 e quatro anos mais tarde, em 2014, o encontro terminou empatado a duas bolas).

No total, Jérôme conta com 76 internacionalizações pela formação germânica e Kevin-Prince com 15 jogos (e dois golos) pela seleção principal do Gana.

Outro caso que também deu que falar foi o dos irmãos Pogba, filhos de pai e mãe guineense. Paul Pogba, uma das principais figuras do Manchester United, já nasceu em França e optou por representar a seleção gaulesa, onde alinha desde 2013 e já conta com 66 jogos (10 golos). O jogador de 26 anos protagonizou uma das transferências mais caras da história do futebol mundial, quando, em 2016, os red devils desembolsaram 105 milhões de euros pelo médio da Juventus, que continua a ser sem sombra para dúvidas figura maior dos Les Bleus.

Em sentindo inverso ficaram os seus irmãos, os gémeos Florentin e Mathias, nascidos na Guiné-Conacri há 28 anos. Florentin é defesa central do Atlanta United (MLS) e internacional pelo país onde nasceu, apesar de ter crescido em França, onde reside desde os oito meses. O mesmo se passou com Mathias, ponta-de-lança que representa atualmente o Tours FC, que milita no terceiro escalão do futebol francês. Somam 18 e cinco internacionalizações pela seleção da Guiné, respetivamente.

À semelhança dos trio Pogba, há os irmãos Suárez. Neste caso, ambos nasceram no Uruguai, mas apenas o atual ponta de lança do Barcelona, Luis Suárez, de 32 anos, chegou à seleção principal daquele país, em que, aliás, é a estrela maior da companhia – são já 106 internacionalizações desde que se estreou, em 2007, e 55 golos.

Já Paolo Suárez, que acabou por ter um percurso muito menos sonante com passagens por clubes modestos, decidiu representar a seleção de El Salvador. O médio pendurou entretanto as botas, em julho do último ano, com 37 anos.

Além dos dois casos com jogadores portugueses referidos no início do texto, há também exemplos que envolvem protagonistas que não tendo nacionalidade portuguesa são bem conhecidos do futebol nacional: fala-se dos irmãos Matic, com Nemanja a assumir o papel principal.

O defesa passou pelo Benfica e hoje pode ser encontrado nos ingleses do Manchester United. O jogador de 30 anos é internacional pela Sérvia, país onde nasceu, pela qual soma 46 jogos e dois golos – um deles marcado a Portugal, num jogo de qualificação para o Euro 2016.

Já o seu irmão mais novo, Uros, também sérvio, teve uma passagem muito menos famosa não tendo ido além da sua presença no Benfica B. Atualmente nos austríacos do Austria Vienna, no ano de 2014 o jogador optou por representar a Macedónia. Facto curioso: apesar de já ter sido convocado, aos 28 anos, Uros nunca fez a sua estreia pela seleção principal daquele país.