Advogado diz que não discriminou juíza ao preferir um homem

Pedro Proença, advogado do arguido condenado por ter violado a filha, apresentou um requerimento para afastar uma desembargadora do caso por esta ser “mulher e mãe”. Ao i advogado diz que tudo não passou de um “exemplo meramente ilustrativo” e que incesto não é crime.

O advogado Pedro Proença dá o dito por não dito e diz ao i que nunca disse que uma mulher e mãe não pode ser uma juíza isenta. Esta semana a SIC noticiou um requerimento insólito, apresentado pelo advogado, que representa um homem condenado por violar a própria filha, em que se pede o afastamento de uma magistrada.

“A Veneranda Juíza Desembargadora nos presentes autos deve ser substituída por um juiz desembargador homem”, revela o requerimento, citado pela SIC Notícias. No mesmo documento, Pedro Proença, o advogado que apresentou o requerimento, justifica o pedido, afirmando que “antes de ser magistrada judicial a Veneranda Juíza Desembargadora é mulher e certamente mãe, o que leva a que o horror e a aversão inata ao ato de incestos confessado pelo arguido (…) e o facto de acusar a sua filha de o ter seduzido, provoquem no seu espírito, incontestavelmente, uma especial e mais gravosa oscilação na neutralidade exigida perante o mesmo”. 

Mas esta quinta-feira, contactado pelo i, Pedro Proença afirmou que no documento “não foi dito que por uma juíza ser mulher e mãe não tem capacidade para ser isenta”. E adiantou que se tratou de “um exemplo meramente ilustrativo”.

Segundo o advogado o que está em causa é o princípio do juiz natural e dá o exemplo do que se passou nos últimos meses com o juiz Neto de Moura, em que a própria magistratura pôs em causa esse princípio quando o juiz foi afastado dos casos de violência doméstica.

Pedro Proença disse ainda que o documento apresentado serviu apenas para “colocar à consideração do Supremo Tribunal uma questão que nos é pertinente”.   

Julgamento em primeira instância

No julgamento, que decorreu em 2017, ficou provado que o arguido e a sua filha foram jantar fora para celebrar o aniversário da vítima, que fazia 18 anos. No decorrer do jantar, o arguido foi enchendo o copo da vítima com vinho, tendo esta saído alcoolizada do restaurante. Já em casa, o arguido terá aberto uma garrafa de champanhe, mas vítima sentiu-se mal e foi-se deitar. Terá sido nesse momento que o homem terá ido até ao quarto e violado a filha. No julgamento, o arguido confessou ter tido relações, mas assegurou que foi seduzido pela vítima e que a relação foi consentida. O homem foi condenado  a oito anos e quatro meses de prisão, tendo o processo ido parar à desembargadora da Relação na fase de recurso.

Ao i, o advogado afirmou que a condenação em primeira instância, decidida por um coletivo de juízas, foi feita com base “no depoimento da memória futura da alegada vítima”. “A prova médica ou legal foi no sentido de que não houve violação e não se produziu mais prova”, disse, acrescentando que o coletivo valorizou “a questão do incesto”, que é “moralmente reprovável, mas não é crime”. 

“Provavelmente o incesto teve de facto um peso muito grande no consciente das juízas e para evitar que essa questão, em sede de recurso, voltasse a ser repisada (…), foi colocada a reflexão ao tribunal”. No requerimento “não houve qualquer discriminação”, completou.

A juíza em questão não deixou o requerimento passar em branco e recusou-se a abandonar o caso. “O facto de a titular do processo, com 34 anos de carreira, ser mulher e mãe não pode levar a pôr em causa a sua independência enquanto julgador”, referiu a juíza. A magistrada adiantou ainda que “a negação de tudo isto seria a possibilidade de escolher o juiz da causa conforme a cor da pela, dos olhos, clube de futebol, quem sabe a religião e já agora, o género”. O recurso apresentado pela defesa do arguido foi chumbado pela juíza da Relação e mais tarde foi a vez de o Supremo dar mais uma ‘nega’ à defesa do arguido.