O teste das europeias…

O ‘duelo’ Paulo Rangel-Pedro Marques talvez aqueça à luz do dia, mas a escolha das armas joga-se na sombra…

O primeiro-ministro em exercício bem tenta disfarçar, mas nota-se que anda ansioso. A festa montada à volta dos passes sociais, lembrando o estafado estilo socrático – com séquito alargado a vários governantes e sorrisos postiços, exibindo euforicamente o cartão verde Lisboa-Viva –, deu o tom da insegurança que lavra entre a família socialista. 
O eleitoralismo fácil, conseguido com a velha manha do ‘bacalhau a pataco’, parecia destinado a resolver de vez o nervosismo instalado nas hostes à beira do confronto eleitoral, já entendido como uma espécie de ‘primárias’ para as legislativas de outubro. 

A tal ponto que António Costa pediu, num comício em Braga, «um voto de confiança a este Governo, a esta governação, nestas eleições para o Parlamento Europeu». 

Foi um erro. Se as europeias não lhe correrem de feição – quer se trate de uma derrota ou de uma vitória ‘por poucochinho’ –, que dirá depois Costa? 

Reconheça-se que o ‘voto de confiança’ tem vindo a ser trabalhado com esmero, desde os passes sociais a preço reduzido até ao reembolso do IRS aos contribuintes, encurtando os prazos.

Nesta ‘caça ao voto’, os passes sociais foram o golpe de asa encenado a preceito, cuja ‘paternidade’ Costa preferiu partilhar, num inesperado assomo de modéstia, raro nele.

Com esse trunfo, e todo o folclore associado, o Governo teria à partida poucas dúvidas sobre o destino traçado para os adversários da ‘geringonça’. Confiou-se tanto nesse cenário, que a sobranceria e o descaramento cresceram no Parlamento e fora dele.

Mas, como várias vezes aconteceu no passado recente, às vezes surge um imprevisto qualquer que altera os planos e estraga as sondagens. 

Sucede que Paulo Rangel, indigitado cabeça de lista do PSD para as europeias, é uma personalidade culta, respeitada em Bruxelas e Estrasburgo, jurista desenvolto e um tribuno de verbo afiado, com provas dadas no hemiciclo.

Ou seja, é o oposto de Pedro Marques, cujo currículo repousa basicamente em funções públicas, desde que integrou a lista para a Junta de Freguesia de Afonsoeiro, no Montijo, onde cresceu. É um funcionário político, pródigo em promessas e em investimentos que não saem do papel.

A opção de Costa por uma personalidade tão baça e desajeitada é um mistério. Claro que, ao escolher alguém que é um deserto de ideias, este só poderia responder com um estilo rasteiro enquanto candidato ao Parlamento Europeu.
Sem ter adversário à altura, Rangel corre autónomo em pista própria e não será de admirar que cause embaraços à bem oleada máquina socialista. Se conseguir um resultado lisonjeiro para o PSD, superior ao esperado, será por mérito próprio, que não por obra e graça de Rui Rio.

O desequilíbrio que se nota entre os argumentos de Rangel e a falta deles por parte de Marques está a trazer compreensíveis apreensões à casa socialista, onde a família se desdobra em peregrinações pelo país, promovendo inaugurações e arraiais, com os media invariavelmente à trela.

Nesse afã, o primeiro-ministro em exercício não é dos menos ativos, e nem hesitou em comparecer à ‘vernissage’ do lançamento à água de um paquete oceânico construído nos Estaleiros de Viana, entretanto revitalizados com a gestão privada, após caírem em ruína como empresa pública. 

Com um surpreendente ‘jogo de cintura’ – e chocante falta de memória –, Costa ‘apagou’ a forma ruidosa como o PS se manifestou, em 2013, contra a privatização dos Estaleiros falidos. É o vale-tudo.

Costa talvez tenha razões para estar inquieto. Por isso, ‘vestiu o smoking’, lado a lado com o empresário de sucesso nortenho dono do navio. Depois, voltou à estrada. 

Mesmo que o seu candidato alcance mais votos nas europeias – uma incógnita –, um resultado curto poderá deitar por terra a entronização sonhada nas legislativas. 

É certo é que a agenda mediática não perde Costa de vista, em esforçado despique com Marcelo Rebelo de Sousa, ambos omnipresentes no espaço público. Mas poderá não ser bastante. 

Este ‘seguidismo’ da comunicação social em relação ao poder não é novo em Portugal, mas agravou-se. São servidões que já nem se disfarçam. 

Ao contrário de Sócrates, que quis domesticar à bruta jornais e televisões, Costa é mais sofisticado e percebeu que lhe bastam alguns gestos discretos para os principais empresários do setor se lhe renderem. 

Mas, como é importante salvar as aparências, os media precisam de simular pluralismo. E não podem silenciar Rangel com o mesmo desplante com que quase omitiram o depoimento parlamentar de Álvaro Santos Pereira sobre as pressões exercidas pelo Governo junto da OCDE, por causa da corrupção em Portugal. 

O ‘duelo’ Paulo Rangel-Pedro Marques talvez aqueça à luz do dia, mas a escolha das armas joga-se na sombra…