As pessoas são mais felizes?

NUMA DESTAS noites, num canal estrangeiro que não sei identificar, vi um programa sobre os jovens. Sobre a infelicidade dos jovens de um país anglo-saxónico. Mas em Portugal a situação não é muito diferente. Um jovem padecia de depressão, outro de solidão, outro era viciado em pornografia, outro em álcool, outro ainda em drogas duras.…

NUMA DESTAS noites, num canal estrangeiro que não sei identificar, vi um programa sobre os jovens. Sobre a infelicidade dos jovens de um país anglo-saxónico. Mas em Portugal a situação não é muito diferente.

Um jovem padecia de depressão, outro de solidão, outro era viciado em pornografia, outro em álcool, outro ainda em drogas duras.

Não me lembro de haver tanta gente infeliz quando eu era jovem. Nem com aquele aspeto desgraçado. Havia gente pobre, muita, mas não tinha nem de perto nem de longe aquele grau de infelicidade. Era gente pobre mas normal. E sei do que falo, porque joguei à bola com rapazes que descalçavam os sapatos antes dos jogos para não os estragarem. E alguns nem tinham sapatos.

Mas não eram desgraçados. Não eram deprimidos, nem viciados em álcool ou em drogas. Aliás, nem tinham dinheiro para isso. Fumavam cigarros de barbas de milho, ou seja, em que os fios da maçaroca faziam de tabaco.

HOJE ERA SUPOSTO os jovens – e as pessoas em geral – serem mais felizes. Muito mais felizes. Têm muito mais dinheiro do que naquele tempo, têm muito mais divertimentos do que naquele tempo, consomem muitíssimo mais, têm carro, telemóvel, computador, televisão e máquinas que fazem boa parte do trabalho caseiro.  

Os filhos de casais modestos têm os quartos cheios de brinquedos e não lhes falta nada. Vejo pessoas com aspeto modestíssimo a fazer compras nos centros comerciais como se fossem da classe média. E têm automóvel à porta de casa e telemóvel do último modelo. Em casa já não passam frio como em tempos idos. E têm televisão e computador para se entreterem ao serão, assistindo aos programas das televisões, vendo filmes ou navegando na internet. E nas noites de fim de semana os jovens vão à discoteca. E as mulheres já não lavam roupa no tanque, nem louça no alguidar: as máquinas fazem esse trabalho.

ENFIM, AS PESSOAS hoje têm as vidas imensamente facilitadas, têm mais dinheiro no bolso, têm mais tempo livre, têm mais entretenimentos, têm mais liberdade, podem falar à vontade – e, no entanto, parecem mais infelizes.

E não são só aqueles jovens de quem falei. As pessoas que aparecem nas manifestações a reivindicar parecem imensamente insatisfeitas, agressivas, raivosas mesmo. As mulheres que aparecem nas manifestações feministas não parecem nada felizes. Mesmo as pessoas com quem nos cruzamos na rua raramente parecem de bem com a vida. 

Perante isto, somos levados a duvidar de tudo.

SERÁ QUE AS PESSOAS, por terem mais dinheiro, são mais felizes?

Será que as pessoas, por consumirem mais, são mais felizes?

Será que as pessoas, por terem mais divertimentos, são mais felizes?

Será que as pessoas, por terem mais tempo livre, são mais felizes?

Será que as pessoas, por terem mais liberdade, são mais felizes?

Será que as mulheres, por terem mais independência, são mais felizes?

Será que os homossexuais, por poderem assumir-se e casar-se, são mais felizes? 

A MINHA IDEIA é que não são. O que nos faz duvidar do progresso. O progresso não trouxe aquilo que era suposto trazer: mais felicidade. O que significa que se caminhou na direção errada. Isto para mim é hoje uma evidência – embora haja muito poucas pessoas a percebê-lo.

Vemos muita gente a dizer: a vida hoje é mais fácil, há menos pobreza, as mulheres são mais independentes, etc. E a conversa fica por aí. Mas não vai à questão essencial: e as pessoas são mais felizes?

EU TENHO UMA EXPLICAÇÃO para isso: o progresso trouxe muita coisa boa mas também destruiu muita coisa essencial ao ser humano.

A saber: 

1. O progresso destruiu a família – e numa família desfeita é muito difícil ser feliz;

2. O progresso destruiu o contacto físico entre os seres humanos (que se relacionam hoje sobretudo através de máquinas) e sem esse ‘calor humano’ as pessoas estiolam;

3. O progresso, sendo exclusivamente material, destruiu em boa medida a dimensão espiritual do ser humano – e o homem, espoliado dessa dimensão, sente-se incompleto. 

HAVERÁ POSSIVELMENTE muito mais razões. A mim ocorreram-me estas. E todas juntas já não são coisa pouca. São suficientes para os jovens, mais atingidos pelo impacto do progresso, se sentirem sós, se sentirem deprimidos, se sentirem inúteis – e a defesa é refugiarem-   -se na pornografia, na droga ou no álcool. 

A realidade está à vista. Só que muito poucos a querem ver.