Um ‘mal nunca vem só’…

O ‘espírito de família’ veio para ficar na vida política portuguesa. Instalou-se soberanamente, contagiou já órgãos de soberania insuspeitos, extravasou para a imprensa estrangeira e ameaça transformar-se no tema recorrente da campanha eleitoral das europeias. Este reboliço, que tem feito as delícias de comentadores residentes nas televisões, adquiriu velocidade própria, apesar dos esforços do PCP…

O ‘espírito de família’ veio para ficar na vida política portuguesa. Instalou-se soberanamente, contagiou já órgãos de soberania insuspeitos, extravasou para a imprensa estrangeira e ameaça transformar-se no tema recorrente da campanha eleitoral das europeias.

Este reboliço, que tem feito as delícias de comentadores residentes nas televisões, adquiriu velocidade própria, apesar dos esforços do PCP e do Bloco em circunscrever os efeitos e travar a ‘bola de neve’.

O Governo, de súbito, apoiado na frente de esquerda e secundado por Marcelo Rebelo de Sousa – inesperadamente ‘investido’ na função de legislador -, arregaçaram as mangas e desataram a redigir projetos de diplomas ao despique, em cima do joelho, para que sejam rapidamente lei. 

Claro que legislar a reboque dos acontecimentos nunca foi boa coisa. Lá diz o ditado que ‘depressa e bem…’. Mas, apanhado em contramão por causa das escolhas ‘em família’, António Costa percebeu o erro e entrou num alvoroço. 

Com a vertigem de falar todos os dias (sem contraditório…), Marcelo foi longe demais neste caso, como tem ido noutros -recuando depois à pressa quando lhe dizem que se excedeu. 

Foi o que se viu com Tancos, ouvindo o remoque de Costa sobre a sua «ansiedade», e mesmo assim insistiu no óbvio, isto é, que «dois anos volvidos sobre o começo de uma investigação criminal (…) queremos saber o que se passou». 

É inegável que tem razão. Mas exige-se mais do Presidente do que repetir o sentimento comum numa conversa de café. Poderia pronunciar-se, de igual modo, sobre os quase cinco anos consumidos na investigação do BES-GES, que continua a marcar passo; ou perante o ‘suspense’ da demorada tramitação da Operação Marquês, na qual avulta a acusação formulada contra o ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates a aguardar julgamento. 

Um relatório da OCDE, datado de 2015, deixava a nossa Justiça ‘mal na fotografia’, ao revelar que os processos judiciais eram os mais morosos da União Europeia.

De então para cá houve melhorias, e a mesma OCDE o reconheceu no último relatório (o tal que causou ‘urticária’ no Governo, por causa das referências à corrupção). 

Mas há um longo caminho a percorrer para convencer os portugueses – que, ainda em 2016, segundo outro estudo da OCDE, eram dos que menos confiavam na Justiça e nos tribunais. 

Marcelo sabe disso. Mas o certo é que o Pacto da Justiça, que lhe pareceu um «desafio aos partidos e ao Governo para que legislem», ficou em ‘águas de bacalhau’, facto corroborado pelo presidente do Supremo ao afirmar, taxativamente, que «apesar das esperanças do Presidente da República, o Pacto para a Justiça terá abortado». 

A confirmar-se, é legítimo concluir que a ‘magistratura de influência’ não superou as resistências ou a inércia instaladas na teia dos tribunais.

‘Um mal nunca vem só’, diz a sabedoria popular. E quando o Governo começava a vangloriar-se do ‘bodo aos pobres’, eis que surgiu um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre a sustentabilidade da Segurança Social, com a chancela de um instituto público. Estragou-lhes a festa. 

É um trabalho académico fundamentado (e não «uma encomenda», como insensatamente disse José Gomes Ferreira na SIC, em socorro do Governo), que analisa o futuro próximo do sistema à luz de pressupostos realistas: aumento da esperança média de vida, quebra profunda da natalidade, envelhecimento progressivo da sociedade portuguesa e provável abrandamento da atividade económica, já admitida até por Mário Centeno. 

Seria expectável que este contributo de uma fundação privada com relevantes serviços prestados fosse aproveitado para lançar um debate de ideias sobre um tema que, juntamente com a Saúde, é crucial para o futuro. 

Mas nada disso aconteceu. Com ligeireza, o ministro Vieira da Silva apressou-se a tentar desautorizar o documento, designadamente quando este aponta para a possibilidade de a idade de reforma se fixar nos 69 anos. 

Pior. Insinuou que o estudo teria subjacente «ideias ingénuas», com o objetivo de «abrir o mercado aos privados». Não é sério, sobretudo quando sabemos que a idade legal de reforma já vai nos 66 anos e cinco meses, quando em 1980 era aos 62 anos.

Para enervar mais ainda a família socialista, Cavaco Silva interrompeu o seu retiro e afirmou que Portugal se arrisca a ser «a lanterna vermelha dos 19 países do euro», devido ao fraco crescimento económico e que, pelo andar da demografia, a idade da reforma poderá ficar em 2050 «não muito longe dos 80 anos».

Perante este cenário sombrio, sobram duas hipóteses: meter ‘a cabeça na areia’ e fingir que está tudo bem, ou discutir o assunto sem ‘pedras no sapato’. Adivinhe a escolha…