O nosso drama

Com todos os olhos postos em França, arvorada em altar do desgosto e cicatriz da perda, nada parecia, verdadeiramente, suscitar a nossa pátria atenção. Nada parecia conseguir estar à altura da catástrofe de Nôtre Dame. Não foi assim. Somaram-se os indicadores da incomodidade do Partido Socialista. Não corre bem a campanha eleitoral para as Europeias.…

Com todos os olhos postos em França, arvorada em altar do desgosto e cicatriz da perda, nada parecia, verdadeiramente, suscitar a nossa pátria atenção.

Nada parecia conseguir estar à altura da catástrofe de Nôtre Dame.

Não foi assim.

Somaram-se os indicadores da incomodidade do Partido Socialista.

Não corre bem a campanha eleitoral para as Europeias. Queixam-se os responsáveis, inexiste o candidato, desgasta-se o primeiro dos ministros numa atuação de toca e foge aos fins de semana.

Pior não poderia ser.

Talvez pretenda chamar a atenção para a valia eleitoral do governo, talvez acreditasse sinceramente nisso, talvez pensasse que o país estivesse tão conquistado que bastaria passear a sua aura.

Não é.

A sua intervenção apenas contribui para enfraquecer o que resta de um candidato.

Por entre as notícias várias de dificuldades no futuro próximo da economia, entra o Ministro Centeno em ação.

Ataca o problema, divulga novos números, tenta manter a esperança. 

Em quê? Perguntar-se-á.

No crescimento (que abranda), na dívida que diminui (menos), no défice que desce para logo subir, no PIB que cresce em quarto minguante.

Ao lado, as estatísticas publicadas fazem-lhe a vida negra. Portugal, a terceira maior dívida da União, um dos menores PIB e quase o último, o crescimento mais anémico.

E, num golpe de mágica, uma promessa extraordinária. Neste cenário será possível, diz, o abaixamento dos impostos.

Para logo a seguir explicar melhor. Para alguns, porque para outros o aumento acontece com a diminuição dos incentivos fiscais.

A esquerda não lhe perdoa, ridiculariza-o, identifica-o como o autor da política da décima. Confunde aumento da despesa com aumento do investimento público e diz que uma coisa e outra se identificam na necessidade. Haja dinheiro!

À direita basta instalar a dúvida e esperar.

Sente-se que este programa de estabilidade é o testamento político do ministro Centeno.

Sendo isto grave e mau, não foi tudo.

Perante a pressão de uns e outros e com o governo encostado à parede, uma notícia plantada sobressalta o povo.

O Governo estaria na disposição de pedir a demissão por causa do problema insolúvel dos professores.

O drama, o pânico instalado, o terror como o da Revolução Francesa.

Umas horas depois os espíritos foram sossegados. Era mentira, nunca tinha sido pretendido. Sem saber o que fazer, o Governo fica.

Mas entretanto, como se uma ou duas desgraças não viessem sós, o país encontra-se com a crise advinda das consequências de uma greve inesperada.

Os motoristas fazem fila nas bombas de gasolina, os aeroportos entram em perda, os transportadores arrepelam os cabelos, o gás anuncia a sua falta.

Logo agora, em plena época da Páscoa…

Um Ministro tenta evitar males maiores, recorre à requisição civil, ocupa a televisão, tenta dramatizar também.

Mas a reação geral é manifestamente negativa.

Traz-se à colação a antiguidade do problema, a dilação das diligências necessárias para salvaguardar o funcionamento do país, a incompetência e a imprevisão.

Outro incêndio, portanto.

Outra vez a prevenção, a incapacidade de realizar obra atempada, o país indefeso do Estado incompetente.

O nosso drama.