«Fala-me de liberdade, revolução e luta, depois… depois beija-me!»

Somos feitos do desejo bélico de lutar por tudo: grandes ideais ou pequenas questiúnculas. E é quando nos apercebemos da falta de sentido para as pequenas lutas, aquelas que só nos desgastam e em nada contribuem para a nossa felicidade (e, muitas vezes, muito menos para a dos outros), que devemos questionar-nos sobre o motivo…

Esta frase, que a Francisca fotografou, diz: «Fala-me de liberdade, revolução e luta, depois… depois beija-me!».

Esta pequena poesia reduz tudo ao amor. Depois de falarmos de «liberdade, revolução e luta», o que importa é um beijo, é o carinho entre dois seres que se amam. Depois de todos os grandes ideais políticos e ideológicos, vem o ideal supremo, que é o amor.

Podemos, antes de mais, defender a liberdade, levar a cabo uma revolução e empreender uma luta, mas, depois de tudo, o que conta mesmo é um beijo, é o amor, é o carinho que une dois seres, mesmo quando os seus ideais não são comuns.

O ensejo de liberdade acende em nós o ideal da revolução e a aceitação da luta como forma de atingir esse ideal. Lutamos por aquilo em que acreditamos, mas também lutamos por aquilo em que outros acreditam, porque temos a capacidade de sentir empatia pelos ideais daqueles que nos rodeiam e de nos sentirmos impelidos a defendê-los, fazendo da sua a nossa bandeira.

Envolvemo-nos constantemente em lutas, grandes, pequenas ou minúsculas. Lutamos por um lugar de estacionamento vazio tal como lutamos por direitos iguais para todos; lutamos pelo reconhecimento do chefe tal como lutamos em defesa dos animais; lutamos por um lugar nos transportes públicos tal como lutamos pela paz no mundo, ou pela erradicação da pobreza ou da fome. Somos capazes dos atos mais altruístas como dos mais egoístas e, quotidianamente, lutamos para viver e, por vezes, para sobreviver.

Somos feitos do desejo bélico de lutar por tudo: grandes ideais ou pequenas questiúnculas. E é quando nos apercebemos da falta de sentido para as pequenas lutas, aquelas que só nos desgastam e em nada contribuem para a nossa felicidade (e, muitas vezes, muito menos para a dos outros), que devemos questionar-nos sobre o motivo que nos leva a tal, no intento de, encontrada a causa, solucionarmos as consequências e encontrarmos em nós força para mudar.

Diz, muito justamente, Italo Calvino: «Cada vez que o reino humano me parece condenado ao peso, digo a mim mesmo que, como Perseu, eu devia voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fugir para o sonho ou o irracional. Preciso mudar de ponto de observação, preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controlo».

Só conscientes das nossas virtudes e dos nossos defeitos conseguimos criar espaço, no nosso coração, para o amor. Como diz Manuel Alegre: «As palavras que não te disse estão aqui / caladas há tanto tempo não se calam / trago-as em mim e sem falar te falam / estão dentro do silêncio e cantam para ti». São essas palavras nunca ditas «que nos beijam / Como se tivessem boca», como diz tão bem Alexandre O’Neill.

O amor é, pois, o que nos redime e nos consola, o que fica depois de todas as guerras travadas, depois de toda a «vida embaciada, minúscula, imprecisa e preciosa como nenhuma outra coisa» (nas palavras de Tolentino Mendonça). O amor é alimento, força motriz e norte orientador, que nos permite manter a cabeça bem erguida.

 

Maria Eugénia Leitão