‘Não percebo as críticas por nunca ter sido motorista’

Pedro Pardal Henriques diz que o seu cargo como vice-presidente do sindicato de motoristas é temporário. Em entrevista por escrito ao SOL, avisa que, se a intransigência voltar, não está descartada nova greve.

Os motoristas grevistas foram ameaçados e assediados pelas suas entidades patronais? 

Os motoristas de matérias perigosas são constantemente ameaçados, mesmo não estando em greve. Diria que é uma prática completamente ilegal, que se encontra instalada neste sector. Um motorista de matérias perigosas é “obrigado” a trabalhar segundo as condições que são impostas pelas empresas, violando diariamente o seu direito ao descanso, o seu direito ao bem-estar com a família, e o direito à sua remuneração. E quando qualquer um dos motoristas questiona estas imposições, são colocados numa sala a que eles já chamaram a ‘sala do castigo’, é-lhes movido um processo disciplinar, e alguns acabam por ser despedidos. Tenho cerca de 50 processos no tribunal, todos pelos mesmos motivos. Ou seja, quando algum dos trabalhadores se manifesta contra a forma de remuneração que é instituída arbitrariamente pelas empresas – através de esquemas compensatórios que visam a fuga ao pagamento de impostos e de segurança social, através de diárias, ajudas de custo, mapas de quilómetros, etc. – é ameaçado e assediado. Isto é público e foi diversas vezes comunicado às autoridades competentes. 

Durante a greve que relatos lhe chegaram?

Os trabalhadores foram despedidos mais do que uma vez por mensagens, por chamadas telefónicas, e até pelo sistema eletrónico que utilizam internamente. Estas ameaças foram-me entregues e está a ser preparada (mais uma) uma ação contra as entidades patronais. Utilizaram motoristas que ainda estavam em período experimental, ameaçando-oa que se não fossem trabalhar o contrato terminaria imediatamente.

Vê no surgimento de sindicatos como o vosso, ou os dos enfermeiros, um sinal de a UGT e CGTP estarem a perder hegemonia no sindicalismo?

É um sinal de que alguma coisa não está bem, e que os trabalhadores não se sentem representados da forma como gostariam através dos sindicatos tradicionais – ou das formas tradicionais de reivindicação dos seus direitos. O mundo laboral evoluiu muito, e continua a modernizar-se diariamente. Podemos ver isto por exemplo na duração média dos empregos e dos tipos de contrato a termo que compõem a grande percentagem dos contratos de trabalho. E isto não é uma crítica aos tipos de contrato, ou à evolução do mundo laboral. É uma crítica aos sindicatos tradicionais, que precisam de acompanhar esta modernização, e, em vez de olharem estes novos sindicatos como concorrência, deveriam pensar que algo não está bem e  promover ações entre as associações sindicais.

Vê a assinatura do novo contrato de trabalho coletivo pela FECTRANS como uma traição aos trabalhadores?

Nem os motoristas de matérias perigosas, nem muitos outros motoristas de carga geral se revêem no contrato coletivo de trabalho assinado pela FECTRANS. Aliás, foi por este motivo que foi criado o SNMMP – Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas. Antes deste sindicato ser criado, tinha sido constituída uma associação (ANMMP), e com esta associação manifestou-se publicamente o descontentamento pela forma como as negociações estavam a ocorrer. Esta associação esteve inclusivamente com a FECTRANS e com a ANTRAM para lhes transmitir que não concordávamos com o conteúdo do CCTV, e, por esta última (a ANTRAM) foi-nos dito que não tínhamos qualquer legitimidade para estar ali na reunião porque eramos apenas uma associação, e não um sindicato, e que nos haviam recebido apenas por cortesia, convidando-nos depois a sair. Tudo isto para lhe responder que os motoristas em geral sentiram-se traídos com a assinatura daquele contrato coletivo de trabalho, razão pela qual um dos Sindicatos Independentes impugnou a sua entrada em vigor.

Como reagiram os motoristas ao novo contrato coletivo?  

Com muita indignação, pois vêem naquelas entidades uma impassividade relativamente aos verdadeiros problemas laborais com que se defrontam diariamente. O salário destes trabalhadores acordado no contrato coletivo de trabalho é de €630 euros mensais. Foi acordado pela FECTRANS e a ANTRAM uma compensação suplementar equivalente a duas horas de trabalho extraordinário, mas o seu horário de trabalho passaria a ser também superior no mínimo nessas duas horas. Ou seja, tudo igual. Não foi valorizado o seu salário mínimo, nem o facto de estes trabalhadores terem que fazer o serviço doutras pessoas, nomeadamente nas cargas e descargas, no preenchimento de documentos que deveriam ser realizados por terceiros, ou mesmo na cobrança de valores. Assim como não foram valorizados os limites da jornada de trabalho, que deveria ser como previsto constitucionalmente de no máximo 8 horas diárias, para que possam usufruir de outras 8 horas com a família, e outras 8 horas de descanso. Obviamente os motoristas sentiram-se traídos. Apenas a título de curiosidade, há 20 anos estes motoristas recebiam acima de dois salários mínimos nacionais. Hoje, além de todas as exigências que lhes são impostas da forma mais desumana que possa imaginar, recebem €630 euros mensais (ou seja, 30 euros acima do salário mínimo nacional). 

O sindicato recuou na greve com a promessa das entidades patronais negociarem um acordo. Acredita que a ANTRAM vai mudar de postura?

Não é, nem nunca foi intenção do SNMMP, colocar o país num estado de calamidade. Temos noção de que o prolongar da greve iria trazer problemas irreversíveis para a nossa sociedade, a níveis que ultrapassavam o normal. Aceitámos interromper (por agora) a greve, porque acreditamos na palavra dada pela ANTRAM e pelo Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação, através da assinatura daquele protocolo. Penso que agora as pessoas já estão alertadas para o problema que será a greve destes trabalhadores e que durante as negociações que começarão no próximo dia 29 (segunda-feira), adotarão uma postura de respeito, ao contrário da postura dos últimos 20 anos. Caso tal não aconteça, não nos restará outra opção senão a de continuar a nossa reivindicação, ainda que para tal seja necessário recorrer novamente a um pré-aviso de greve.

Com o acordo alcançado, o sindicato vê-se impossibilitado de avançar com novas greves para pressionar os patrões. Isto significa que ficam amarrados até 31 de dezembro de 2019, o prazo acordado?

O exercício do direito à greve é consagrado constitucionalmente. O que se encontra determinado é que não serão utilizadas formas de pressão que possam colocar em causa a satisfação de necessidades impreteríveis. Não sei se o que se pretendia era limitar estes trabalhadores no exercício do direito à greve, mas se sim, não é o que se encontra escrito, até porque as necessidades impreteríveis são aquelas que são determinadas pelo despacho de serviços mínimos. Isto significa que, caso a postura adotada pela ANTRAM na próxima segunda feira seja uma postura de resistência à negociação do contrato coletivo de trabalho desta categoria profissional em específico – ou das condições que estes trabalhadores entendem como inegociáveis, – recorreremos imediatamente aos instrumentos que estarão ao nosso dispor, entre eles e se necessário, a convocação duma nova greve nacional. Não estamos, nem ficaremos, amarrados até 31 de dezembro.

O que espera o sindicato do “acompanhamento” das negociações por parte do Governo?

O Governo é uma parte muito interessada no bom funcionamento das negociações, não só porque tem a sua quota parte de culpa pela impassividade perante a fraude fiscal e fuga ao pagamento de impostos das empresas, como também pelo facto de que se as negociações não decorrerem dentro da normalidade, muito provavelmente existirá um novo anúncio de greve que causará provavelmente um alarme social maior. Por tudo isto, e pela palavra dada pelo senhor ministro, acreditamos que terá uma posição de mediador muito ativo nestas negociações.

Nunca teve nada a ver com os motoristas de matérias perigosas. Como é que foi parar à Associação Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas?

O presidente da associação, agora sindicato, questionou-me sobre o facto de o meu escritório se encontrar apto para prestar apoio jurídico no âmbito do direito laboral, porque ele e uma série de colegas se encontravam a passar por graves problemas laborais. Aceitei representá-los juridicamente. Depois, convidaram-me a participar numa reunião onde estariam diversos trabalhadores que pretendiam criar uma associação que defendesse os seus interesses. E fi-lo como faço em todos os processos onde tenho intervenção jurídica, entregando o máximo do meu contributo pessoal e intelectual. Não percebo porque é motivo de tantas críticas o facto de nunca ter sido motorista e estar a representar um sindicato de motoristas. O facto de eu ser convidado a representar um jornalista ou um enfermeiro, não quer dizer que tenha de ter exercido esta profissão antecipadamente. Só aceitamos causas em que acreditamos verdadeiramente, e por estas causas colocamos todo o nosso esforço e empenho. Foi o que aconteceu aqui, assim como em todos os processos e clientes que representamos.

Licenciou-se há relativamente pouco tempo. O que fazia antes?

Efetivamente não fiz o percurso normal de 99% dos advogados: normalmente terminam o ensino secundário, seguem para a faculdade de Direito, e depois enveredam ou para a Ordem dos Advogados, ou para o Centro de Estudos Judiciários. Por um lado, têm mais tempo para exercer a advocacia ou a magistratura, aprimorando-se no seu saber, mas por outro lado, são acompanhados com a inexperiência duma vida ativa enquanto trabalhadores, gestores, chefes de família, etc. A licenciatura em Direito sempre foi um desejo, porque me identifico com os princípios que devem reger um profissional do mundo forense. No entanto não foi possível fazê-lo através do percurso habitual, optando por fazê-lo mais tarde, em regime pós-laboral, já enquanto trabalhador e administrador, e chefe de família. 

Saiu de Portugal aos 18 anos e foi para os Estados Unidos. O que fez durante os anos que esteve fora do país?

É verdade, saímos de Portugal aos 18 anos, fruto de um convite de trabalho que aceitámos no auge da nossa adolescência e trabalhei em ramos de atividade diferentes.

Quando regressou?

Regressei pouco mais de um ano depois e continuei a trabalhar.

Ser um advogado à frente de um sindicato não é normal. 

Efetivamente não é normal, mas convém esclarecer que a minha intervenção é sobretudo uma intervenção jurídica, sendo nomeado ainda para a negociação e a representação do mesmo. O facto de o meu nome se encontrar associado à qualidade de vice-presidente, é uma situação transitória e meramente temporária, dada a urgência que existia na criação do sindicato. Mas mesmo sendo uma situação temporária, não deixarei de acompanhar e representar os trabalhadores enquanto pretenderem o meu patrocínio jurídico e ou representação em qualquer situação relacionada com o sindicato. No entanto, eu vejo por exemplo outros advogados com cargos noutras grandes entidades representativas, nomeadamente no futebol, mas ainda não li qualquer pergunta sobre o facto destes terem aceitado este cargo, quando nunca foram jogadores de futebol. 

Tem um processo crime a decorrer no DIAP de Lisboa posto por um investidor francês em Portugal que o acusa de lhe ter ficado com 85 mil euros. Qual a sua versão desta história?

Não tenho qualquer conhecimento sobre algum processo crime a decorrer contra mim no DIAP. Aliás, na passada segunda feira dirigimo-nos ao DIAP a fim de questionar a secretaria sobre algum eventual processo, e a resposta foi que não existia nenhuma queixa ou processo a correr contra mim. Não deixa de ser estranho o facto de existir um hipotético investidor francês ‘anónimo’ que havia apresentado uma queixa de burla no valor de 85 mil euros! Se existisse alguém burlado neste valor, continuaria anónimo? Lamento o facto de se terem publicado tais notícias, e lamento ainda mais o facto de ter enviado para o jornal que deu início a esta notícia o ‘direito de resposta’, e que se passaram já quase sete dias, e ainda não foi publicado. 

É uma pessoa polémica. Por que acha que é criticado por tantas pessoas?

Não me acho uma pessoa polémica, antes pelo contrário, nem observo tantas críticas como as que refere. Verifico que existem algumas (poucas) pessoas que tecem comentários completamente alheados da realidade, e que outras, também poucas pessoas, respondem, a sua grande maioria sem conhecimento efetivo. O que faz parecer ser mais polémico é a entrega e determinação que colocamos em todos os nossos processos e clientes.

Tendo em conta que escreveu uma crónica no blogue onde Bruno de Carvalho também escreve, qual é a sua relação com o ex-presidente do Sporting?

O facto de escrever uma crónica num blogue onde existem vários cronistas além do Bruno de Carvalho, implica que eu tenha alguma relação com o mesmo? Fui convidado pelo responsável daquele blogue para escrever, o que aceitei com muito gosto. 

Que clientes de peso já teve enquanto advogado?

Como deve imaginar, o segredo profissional é uma prerrogativa a que os advogados estão vinculados, e como tal não vou responder.