Espanha numa encruzilhada

Todas as opções estão em cima da mesa este domingo, podendo ser necessárias novas eleições, como em 2016.

Espanha numa encruzilhada

Num cenário de crescente polarização e fragmentação do espetro político, Espanha continua à beira da ingovernabilidade, sem que nenhum partido ou coligação pareça capaz de assegurar uma maioria parlamentar. Nas vésperas das eleições de 28 de abril, as sondagens mais recentes apontam que quatro em cada 10 eleitores ainda estão indecisos sobre o seu voto, acrescentado um enorme grau de imprevisibilidade ao futuro dos cerca de 37 milhões de espanhóis.

Dado como certo é que o PSOE será de longe o partido mais votado, estimando-se que eleja 128 deputados – mais 43 do que na atual legislatura, segundo as sondagens do El Periódico. Contudo, se o primeiro-ministro Pedro Sánchez conseguiu assegurar um Governo apenas com 85 deputados – através de uma espécie de ‘geringonça’, com o apoio do Podemos e de vários partidos independentistas – a repetição desta solução parece ser uma impossibilidade política, com o aumento das tensões entre independentistas catalães e defensores da unidade de Espanha. Aliás, foi isso que levou à convocação de eleições antecipadas, no seguimento do julgamento dos líderes catalães – que arriscam pesadas penas de prisão por levarem a cabo o referendo à independência da Catalunha.

Postos de lado os independentistas, os aliados do PSOE à esquerda limitam-se ao Unidos Podemos, que enfrenta uma grave crise eleitoral – prevê-se que eleja pouco mais de 32 deputados, menos de metade dos que tinha. O partido de Pablo Iglesias tem sofrido divisões internas e escândalos devido a gastos excessivos, bem como o desgaste da coligação com o PSOE – explicando a queda de popularidade do Unidos Podemos, que esteve perto de ultrapassar os socialistas nas últimas eleições. Todas as previsões indicam que a soma dos deputados dos dois partido fique longe dos 176 deputados necessários para governar.

A última opção de Sánchez é um bloco central entre o PSOE e o Ciudadanos, que podem ter ou não os deputados necessários para tal – estima-se que os dois partidos juntos tenham entre 165 a 180 deputados. Mais de 60% dos eleitores de ambas as forças políticas são favoráveis a uma coligação, segundo as sondagens do Metroscopia – muito mais que a qualquer outro cenário. Além da pressão dos eleitores, a possibilidade de um acordo entre PSOE e os Ciudadanos é aumentada com o apoio da maioria das grandes empresas espanholas, que segundo o El Economista já terão feito as suas posições chegar ao Governo de Sánchez. Esta solução implicaria que o primeiro-ministro sacrificasse o seu cargo por um acordo, com os laranjas a recusarem a toda a linha participar num Governo liderado por Sánchez, que criticam duramente pela gestão da questão catalã. 

Ainda há alguns meses o líder do Ciudadanos, Albert Rivera, pedia um «cordão sanitário» à volta do PSOE, que acusou de «pactuar com golpistas», por estar aberto a negociar com os independentistas catalães quanto a uma maior autonomia regional. Sánchez reforçou, durante o debate televisivo desta terça-feira, que não haverá «nem um referendo nem independência» da Catalunha, mas a tensão nacionalista continua a marcar a agenda, empurrando o Ciudadanos para o braços do Partido Popular (PP) e do partido de extrema-direita Vox, de Santiago Abascal.
O Vox é a grande novidade na equação espanhola, subindo à ribalta depois das eleições regionais na Andaluzia, que acabaram com uma coligação de direita, que o PP pretendia replicar à escala nacional. Apesar da descida eleitoral dos conservadores – que podem perder mais de 50 deputados estas eleições – o líder do partido, Pablo Casado, mantém a esperança de governar com o apoio da restante direita. Casado pretende reafirmar o PP como a força dominante da direita espanhola, apesar da perda de votos da sua ala mais liberal para o Ciudadanos e a saída de vários dirigentes mais conservadores, que formariam o Vox. 

As sondagens já não preveem uma maioria de direita como anteriormente. A recente subida do PSOE deixou o PP, o Ciudadanos e o Vox com um total de cerca de 160 deputados, insuficiente para uma maioria entre os 350 deputados espanhóis. Uma peça-chave para este cenário será a prestação eleitoral do Ciudadanos, que tem a maior percentagem de eleitores indecisos, segundo as sondagens da Metroscopia – ou seja, o maior potencial de crescimento face ao esperado, mas também de fuga de eleitorado. Seja como for, todos os cenários estão em cima da mesa este domingo, incluindo novas eleições, caso seja impossível quebrar o impasse e formar Governo – à semelhança do ocorrido nas últimas eleições, em 2015.

Os pontos de conflito

Catalunha

Este tem sido um dos principais tópicos das eleições, tendo causando a fragmentação da coligação que sustentava o Governo do PSOE. O partido de extrema-direita Vox têm utilizado o assunto como bandeira, para canalizar os ímpetos nacionalistas espanhóis, exigindo até o fim de toda a autonomia regional – obrigando o PP  e o Ciudadanos a radicalizarem a sua defesa da unidade de Espanha, com tolerância zero para o independentismo, que consideram inconstitucional. Já o PSOE alinha com a recusa completa em sequer discutir um referendo à independência catalã, mas abre a porta a negociar sobre uma maior autonomia da região, algo visto como uma traição pela direita. Já o Podemos mantém a sua defesa de um referendo bilateral à independência, continuando ainda assim a ser contra a independência catalã.

Imigração

A imigração é outro tópico em que o Vox tem marcado a agenda, falando numa «reconquista» de Espanha, contra a suposta ameaça da chegada de imigrantes, em particular de muçulmanos – exigindo a sua expulsão imediata e que qualquer imigrante que entre no país ilegalmente não possa regularizar a sua situação. Já as propostas do Ciudadanos vão no mesmo sentido, mas numa perspetiva de mercado, propondo «um sistema de pontos» para qualificar imigrantes e «atrair o melhor talento estrangeiro», ao mesmo tempo que defende o aumento dos efetivos policiais nas fronteiras, à semelhança do PP, que quer lutar «contra a imigração ilegal». Já o PSOE pede o reforço da integração de estrangeiros em Espanha, defendendo a política de asilo europeia, enquanto o Podemos quer reforçar a facilidade de entrada legal no país. 

Economia

O programa económico de Sánchez é o mesmo que levou a cabo até agora, sendo muito semelhante ao do Governo português. Defende, entre outras coisas, o aumento «gradual» do salário mínimo, mantendo a possibilidade de contratos temporários. Já o Unidos Podemos exige um aumento imediato do salário mínimo dos 900 euros para os 1200, pretendendo penalizar o uso abusivo dos contratos temporários por empresas. Uma estratégia diferente do Ciudadanos, que pretende complementar os salários mais baixos com subsídios estatais, priorizando a facilitação do processo de abertura de empresas, bem como o fim dos impostos sucessórios. Algo em que conta com o apoio do PP, que entre outras coisas propõe o aumento da idade de reforma para «favorecer o envelhecimento ativo». Já o Vox pede o corte de 10% das taxas sobre a contratação de novos trabalhadores espanhóis.  

Memória da ditadura

Ao contrário de Portugal, Espanha nunca lidou bem com os crimes da ditadura fascista do general Francisco Franco. À sua morte seguiu-se uma transição democrática pactuada entre as elites e quem colaborou com o regime continuou com a sua vida, com menores ou maiores percalços. Com a exumação dos restos mortais do ditador do monumento do Vale dos Caídos, a 40 km de Madrid, a oposição de direita ao Governo socialista de Pedro Sánchez subiu de tom – o Executivo conta com o apoio dos bascos e Unidos Podemos nesta decisão. O legado da ditadura fascista voltou a marcar o debate político e, principalmente, o eleitoral. O PP disse não se opor à exumação, mas sim à forma como avançou, por decreto-lei, e pelo momento escolhido, reabrindo feridas. Já o Vox, de extrema-direita, opõe-se veementemente, apoiando a família de Franco na contestação à exumação.

Legalização do aborto

Com o surgimento do movimento feminista em Espanha e a radicalização da direita espanhola, o tema da legalização do aborto voltou. E em força. O PP, liderado por Pablo Casado, opõe-se à sua legalização e é a favor de se voltar à lei de 1985, que descriminalizou o aborto em casos de violação, risco para a saúde da mãe e malformação do feto, proibindo em todas as outras situações de escolha livre. Mas não lhe faz qualquer referência no programa eleitoral. Já o PSOE defende que se mantenha a legalização do aborto, com o Unidos Podemos a partilhar dessa posição. Por sua vez, o Ciudadanos também é omisso no programa eleitoral, mas o seu líder, Albert Rivera, manifestou no passado a opinião de a lei se manter tal como está, entrando em choque com o PP e Vox. Este último opõe-se liminarmente ao aborto, desejando reverter a lei para garantir «o direito de os indivíduos existirem».

LGBT+

Apesar do casamento e da adoção por pessoas do mesmo sexo ser legal em Espanha, não deixa de haver vozes conservadoras que exigem a revogação destas leis. O Vox tem-se mobilizado contra o suposto «lobby gay», recusando tanto o casamento homossexual como a adoção, considerando que as crianças «precisam de dois modelos: materno e paterno». Um apelo que não é desperdiçado na ala mais conservadora do Partido Popular, que nunca escondeu o seu desconforto com a garantia destes direitos. O novo líder do partido, Pablo Casado, encetou uma viragem à direita, com críticas renovadas aos direitos LGBT+. Já o PSOE pretende reformar a lei da identidade de género, facilitando o processo de transição a pessoas transexuais. Já o Unidos Podemos mantém a sua defesa de todos os direitos sexuais, enquanto os liberais do Ciudadanos mantêm a defesa tanto do casamento como da adoção de pessoas do mesmo sexo.