Um abuso da TVI

Os argumentos dos advogados não refletem necessariamente o que eles pensam. Um advogado que defende um criminoso não significa que defenda o crime.

Tem o mesmo nome de um famoso ex-árbitro de futebol – Pedro Proença – mas é comentador televisivo.

Comecei por vê-lo a comentar casos de Justiça na TVI. Era muito acalorado a discutir os assuntos, mas atribuí isso ao estilo da estação, que favorece o sensacionalismo.

Depois apareceu a defender o guarda da GNR baleado no famoso caso que envolveu Pedro Dias. E isso tornou-o simpático aos meus olhos. É evidente que qualquer pessoa normal estaria a favor do agente contra o seu agressor – um monstro, capaz de matar a frio.

O causídico que defendia Pedro Dias era a advogada Mónica Quintela, pelo que os duelos do julgamento passaram a ser um mano-a-mano Pedro Proença-Mónica Quintela, comigo a torcer pelo primeiro.

A questão passou, Pedro Dias foi considerado culpado e condenado, e durante algum tempo não voltei a ouvir falar de Pedro Proença. Até que, subitamente, ele surgiu de rompante no espaço público a defender Bruno de Carvalho. Nessa altura já era claro que o ex-presidente do Sporting estava a conduzir o clube para o abismo – com gestos, atitudes e declarações próprias de um louco – e aparecer uma pessoa a defendê-lo de modo tão empenhado não era nada normal.

De duas, uma: ou Proença era pago para defender Bruno de Carvalho no espaço mediático ou não era bem formado. Nenhuma das duas hipóteses era lisonjeira. Em Portugal ainda não é hábito as pessoas serem pagas para defenderem publicamente determinadas ‘causas’; e defender por convicção uma pessoa que todas as evidências já mostravam não ser recomendável, também não era um grande cartão-de-visita.

O certo é que Bruno de Carvalho caiu – mas Pedro Proença não. Mostrando a sua vocação tabloidizante, a estação de TV convidou-o para comentador desportivo. E aí Proença surgiu com um ar ainda mais exaltado, mais colérico, menos honesto nos argumentos do que quando defendia Bruno de Carvalho.

Sem razão aparente, como se estivesse possuído pelo demónio, faiscando dos olhos, vermelho como um tomate, Proença lançava impropérios sobre os adversários e defendia a sua equipa – o Sporting – mesmo em situações indefensáveis.

Indiferente ao facto de deitar mais achas para a fogueira de um futebol português atolado em chamas, de atiçar o fanatismo dos adeptos, de inclusive parecer por vezes que incitava ao ódio, Proença seguia a sua lamentável cruzada de comentador na TVI.

Várias vezes critiquei os intermináveis serões de zaragatas televisivas, onde Pedro Proença, embora sendo um herói recente, pontificava.

Fui entretanto surpreendido pela notícia de que a estação o demitira.

Achei bem: aquele estilo ultrapassava todas as marcas. Aquela hostilidade, aquela agressividade, não eram admissíveis. Em tudo há limites – e ele ultrapassara os limites.

Soube, porém, que as razões para a demissão não se deviam à natureza dos seus comentários desportivos. Nada disso. As razões da demissão deviam-se a uma sua intervenção num processo judicial em que levantara um incidente de suspeição a uma juíza.

A suspeição era disparatada. Argumentava Proença que um caso de violação de uma jovem não deveria ser julgado por uma juíza mas por um juiz, porque a juíza, sendo provavelmente mãe, tinha hipersensibilidade àquele problema.

Até pode ser verdade – mas não faz sentido. Aceitando-o, haveria casos que só poderiam ser julgados por homens e outros que só poderiam ser julgados por mulheres. E levando o princípio ao extremo, certos julgamentos só poderiam ser feitos por juízes jovens, outros por juízes velhos, outros por juízes ou juízas casados, outros por juízes solteiros ou viúvos, e por aí fora.

Acontece que, não fazendo sentido o argumento, ele não poderia ser utilizado para julgar o advogado. Um advogado tem por obrigação fazer o que lhe for possível para absolver o seu constituinte ou lhe diminuir a pena. Ele até pode não concordar com o argumento, mas tem o dever de o usar se entender que pode ser útil ao constituinte.

Ou seja: os argumentos usados pelos advogados não refletem necessariamente o que eles pensam.

Assim, não podem ser condenados pelo que dizem em sede dos processos. Indo por aí, um advogado que defendesse um perigoso criminoso corria o risco de ser tido como defensor do crime.

Ao despedir Pedro Proença pelas suas alegações num processo judicial, a TVI cometeu um grave erro. Se queria despedi-lo pelas suas afirmações no programa, assumia-o. Agora, usar uma coisa que ele disse noutro local, no âmbito da sua atividade profissional, é inadmissível. Por muito que eu não gostasse de Proença, acho que o seu despedimento foi um abuso.