“Envio-te as minhas lágrimas de amor”. O relato emocionado de uma mãe proibida de ver os filhos

Para assinalar o Dia da Mãe, a Amnistia Internacional divulgou cartas da ativista Nasrin Sotoudeh

“Envio-te as minhas lágrimas de amor”. O relato emocionado de uma mãe proibida de ver os filhos

Para assinalar o Dia da Mãe, que se celebra no próximo domingo, a Amnistia Internacional decidiu revelar três cartas de Nasrin Sotoudeh para os seus filhos.

A advogada e ativista pelos direitos das mulheres desafiou temas como a pena de morte e, mais recentemente, a obrigação do uso do hijab.

Recorde-se que, depois de dois julgamentos, Nasrin Sotoudeh foi condenada a um total de 38 anos de prisão e 148 chicotadas.

Agora, a Aministra Internacional revela três cartas que a ativista escreveu para os seus filhos Nima, agora com 11 anos, e Mehraveh, de 19. “Como demonstram estes excertos, a angústia de Nasrin por ser aquilo que é – alguém que tem que defender a qualquer custo aquilo que é correto – fá-la questionar as suas próprias escolhas enquanto mãe. É uma situação injusta forjada não pelas suas escolhas, mas por um governo repressivo determinado em quebrar a sua vontade. Como muitas pessoas concordariam, Nasrin está a ser a melhor mãe que consegue ser, ao mostrar aos seus filhos que a verdade e a justiça são princípios pelos quais vale a pena lutar – e que ser uma boa mãe não significa escolher entre os seus valores e os seus filhos”, refere o comunicado.

Para assinar a petição que exige a libertação de Nasrin, clique aqui.

Leia as cartas na íntegra:

Março de 2011

Olá, meu querido Nima,

Escrever-te uma carta é tão difícil. Como é que eu te digo onde estou quando tu és tão inocente e demasiado jovem para compreenderes o verdadeiro significado de palavras como prisão, detenção, sentença, julgamento e injustiça?

Na semana passada perguntaste-me, “Mamã, hoje voltas connosco para casa?” e eu fui forçada a responder sob o olhar dos agentes de segurança: “O meu trabalho vai demorar um bocado, por isso irei para casa mais tarde.” Foi então que acenaste como se dissesses que compreendias e pegaste na minha mão, dando-lhe um beijo doce e infantil com os teus pequenos lábios.

Como é que eu explico que ir para casa não depende de mim, que não sou livre de correr de volta para ti, quando sei que tinhas dito ao teu pai que me pedisse para terminar o meu trabalho, de forma a poder regressar a casa? Como é que eu te explico que nenhum “trabalho” poderia alguma vez manter-me tão distante de ti?

Meu querido Nima, nos últimos seis meses, dei por mim a chorar descontroladamente em duas ocasiões. A primeira vez foi quando o meu pai faleceu e eu fui privada de fazer o luto e de comparecer no seu funeral. A segunda foi no dia em que me pediste para ir para casa e eu não podia voltar para casa contigo.

Meu querido Nima, em casos de custódia infantil, os tribunais decidiram repetidamente que, no que respeita a direitos de visita, uma criança de três anos não pode ser deixada sem progenitor durante 24 horas consecutivas. Isto porque os tribunais acreditam que as crianças pequenas não devem ser afastadas das suas mães durante 24 horas e que uma separação pode resultar em dano psicológico para a criança.

Este mesmo sistema judicial, contudo, está a ignorar os direitos de uma criança com três anos de idade sob o pretexto de que a sua mãe procura “agir contra a segurança nacional” do país.

É desnecessário dizer que eu não procurava, de nenhuma maneira, “agir contra a segurança nacional” e que, enquanto advogada, o meu único objetivo sempre foi defender os meus clientes à luz da lei.

Quero que saibas que, enquanto mulher, estou orgulhosa da pesada sentença à qual fui condenada e honrada por ter defendido muitos defensores dos direitos humanos.

Independentemente de as apoiarmos ou não, os esforços incansáveis das mulheres provaram finalmente que já não podemos ser ignoradas.

Com esperança em dias melhores,

Mamã Nasrin

 

Abril de 2011

À minha querida Mehraveh, minha filha, meu orgulho e minha alegria,

Passaram seis meses desde que fui afastada de vós, meus amados filhos. Ao longo destes seis meses, só permitiram que nos víssemos umas poucas de vezes e, mesmo assim, na presença de agentes de segurança. Durante este tempo, nunca me foi permitido escrever-vos, receber uma fotografia ou sequer encontrar-me com vocês livremente, sem quaisquer restrições de segurança.

Minha querida Mehraveh, tu, mais do que ninguém, compreendes a mágoa no meu coração e as condições sob as quais nos autorizam a encontrarmo-nos. A cada momento, depois de cada visita e a cada dia que passa, eu luto com a noção de ter ou não levado em consideração e respeitado os direitos dos meus filhos. Acima de tudo, precisava de estar certa de que tu, minha filha amada, em cuja sabedoria eu acredito tanto, não me acusaste de violar os direitos dos meus próprios filhos.

Uma vez, eu disse-te: “Minha filha, espero que nunca penses que eu não estava a pensar em ti ou que foram as minhas ações que mereceram tal punição… Tudo o que eu fiz é legal e dentro do marco da lei.” Foi então que acariciaste o meu rosto carinhosamente com as tuas pequenas mãos e respondeste: “Eu sei, Mamã… Eu sei…”. Foi naquele dia que fiquei liberta do pesadelo de ser julgada pela minha própria filha.

Minha querida Mehraveh, assim como eu nunca consegui desrespeitar os teus direitos e sempre procurei protegê-los até aos limites da minha capacidade, também nunca consegui desrespeitar os direitos das minhas clientes.

Como é que eu podia recuar assim que fui convocada pelas autoridades, sabendo que as minhas clientes estavam atrás das grades? Como é que eu podia abandoná-las quando me contrataram como sua conselheira legal e aguardavam o seu julgamento?

É meu desejo defender os direitos de muitos, particularmente os direitos dos meus filhos e o vosso futuro, que me levaram a representar tais casos em tribunal. Eu acredito que a dor que a nossa família e as famílias das minhas clientes tivemos de suportar ao longo dos últimos anos não é em vão.

A justiça chega exatamente na hora em que a maioria já perdeu a esperança.

Sinto a tua falta, minha querida, e mando-te uma centena de beijos,

Mamã Nasrin

 

Setembro de 2018

Olá, meu querido Nima,

Não sei como iniciar esta carta. Como posso esquecer que, este ano, tiveste de começar a escola sem mim e mesmo sem o teu pai a teu lado, e dizer-te simplesmente que este é um ano normal, como qualquer outro ano? Como posso pedir-te que chegues a horas à escola, faças os teus trabalhos de casa, estudes bem e sejas um bom rapaz até nós voltarmos?

Enquanto mãe, eu detestaria dizer-te tais palavras, porque sei que na tua jovem vida já tiveste de viver o trauma constante de me visitares na prisão, de seres proibido de me visitares e do medo da injustiça.

Enquanto mãe, não posso pedir-te para esqueceres a minha existência e penses para ti mesmo que não tens, de todo, uma mãe, só para que possa prosseguir o meu trabalho e a minha luta [por direitos humanos] de consciência limpa. Possa eu nunca ser tão cruel contigo.

***

O meu trabalho como advogada, sob ataque constante no Irão, está a puxar-me – e, desta vez, também ao vosso pai – para dentro da tempestade de injustiça e covardia que está a destruir a comunidade de advogados iranianos.

Por estes dias, penso em ti constantemente, sobre como te deves sentir só e sobre a nossa querida Mehraveh, que nos tem orgulhado e que é agora forçada a cuidar de ti e a ser simultaneamente mãe e pai.

Envio-te as minhas lágrimas de amor, esperando que elas tornem a injustiça do nosso tempo um pouco mais tolerável.

Mando-te milhares de beijos, pois não te vejo há demasiado tempo.

Mamã Nasrin