Uma dupla melhor do que uma tripla

António Costa aproveitou uma inábil operação eleitoralista dos partidos à esquerda e à direita do PS para um golpe de asa verdadeiramente extraordinário: num repente, o PS passou a ser o único partido com sentido de Estado, defensor do rigor nas contas públicas, da imagem e reputação de Portugal no exterior, contra os irresponsáveis e…

Brilhante!

De facto, extraordinário!

Mário Centeno – que virou político de primeira água em quatro anos como ministro das Finanças e metade dos quais cumulativamente como presidente do Eurogrupo – foi o primeiro a dar o passo em frente perante o passo em falso da oposição (toda ela, do PSD e CDS ao BE e ao PCP, que a ‘geringonça’, chegadas as vésperas dos atos eleitorais, já era).

Ai eles querem devolver todo o tempo de serviço congelado aos professores?

Querem eleitoralismo?

Ai ele é isso?

Então tem de ser para todos – professores e não só – e isso custa mais de 800 milhões/ano e é insustentável e incompatível com os compromissos assumidos internacionalmente (e nomeadamente perante a UE). Nem o Orçamento se salva, nem o programa de estabilidade, nem as contas públicas… nada!

É verdade!

 

Como é verdade que o PSD caiu no engodo de se juntar ao CDS e ao BE e ao PCP.

O PS só poderia beneficiar.

E, mesmo a calhar, em vésperas de eleições.

E, mesmo a calhar, quando o partido no Governo se preparava para apanhar à direita e à esquerda com as promessas incumpridas, dos rendimentos não devolvidos aos portugueses e de uma carga fiscal como nunca se viu.

E, mesmo a calhar, quando a campanha prometia ser dominada pelos erros crassos do Governo no que respeita à endogamia no Executivo e no Estado, da Administração Central à Local.

E, mesmo a calhar, quando ainda esta semana mais um membro de um gabinete ministerial – desta vez o chefe de gabinete do secretário de Estado da Proteção Civil – foi obrigado a demitir-se na sequência da constituição como arguido em processo-crime relacionado com desvio de fundos comunitários.

Now, who cares?

António Costa e Mário Centeno aproveitaram a única oportunidade que tinham para arrumar de vez com a ‘geringonça’ sem dar o braço a torcer nem ao bloco central nem à direita.

Nem Marcelo se atreveria a antecipar este cenário e tamanha habilidade da dupla-maravilha do Executivo e do PS.

Talvez por isso mesmo, o Presidente tenha precisado de ir refrescar-se ao mar de Cascais mesmo antes do encontro com o primeiro-ministro em Belém, já bem sabendo o que este tinha para lhe dizer.

Aliás, Costa foi ao ponto de deixar claro que «informou» o Presidente da República e o presidente da Assembleia da República que apresentará a demissão caso o diploma que devolve aos professores todo o tempo de serviço congelado seja aprovado na generalidade no plenário da Assembleia da República na próxima semana.

O cenário de eleições antecipadas, como bem analisou Rui Rio logo ontem de manhã, é uma mera questão de menos umas férias de verão, nada mais.

Ou melhor, muito mais.

António Costa dá um salto mortal por cima da ‘geringonça’ e faz um ‘flic-flac’ que atira PSD e CDS bem para a retaguarda, sem saberem muito bem para onde virar.

O líder socialista começou por tomar o poder fazendo uso da legitimidade da maioria parlamentar criada por três partidos minoritários.

E usou e serviu-se da ‘geringonça’ enquanto esta lhe foi útil.

Mas conseguiu livrar-se dela a tempo de se apresentar ao eleitorado como líder de um Governo e de um partido responsável e rigoroso – assim como Passos Coelho no final da legislatura anterior (que permitiu ao líder do PSD ganhar eleições após quatro anos de, mais do que austeridade, verdadeiro calvário).

Agora, Costa põe o seu ar mais grave para invocar a ilegitimidade de uma maioria na Assembleia da República – formada por todos os partidos com exceção do PS – para lhe impor um caminho.

Porque, afinal – diz ele com o maior dos topetes –, só o povo tem legitimidade para o fazer. E, portanto, venham as eleições (se possível, antes dos incêndios).

Brilhante!

De facto, extraordinário!

Mas às vezes as contas saem furadas.