Sérgio Moro e os idiotas úteis

Chamam-se ‘idiotas úteis’ àquelas pessoas que, por ingenuidade, participam em campanhas mediáticas que servem interesses diferentes dos seus.Não gosto da expressão, preferia ‘ingénuos úteis’, mas ela consagrou-se.Vem isto a propósito da campanha em curso contra o ex-juiz e atual ministro da Justiça brasileiro, Sergio Moro. Moro veio a Portugal falar numa conferência sobre Justiça, e…

Chamam-se ‘idiotas úteis’ àquelas pessoas que, por ingenuidade, participam em campanhas mediáticas que servem interesses diferentes dos seus.Não gosto da expressão, preferia ‘ingénuos úteis’, mas ela consagrou-se.Vem isto a propósito da campanha em curso contra o ex-juiz e atual ministro da Justiça brasileiro, Sergio Moro. Moro veio a Portugal falar numa conferência sobre Justiça, e durante toda a palestra fez uma única referência à Operação Marquês.Falando da grande corrupção no Brasil, declarou: «Também Portugal não está imune; basta citar o famoso caso do ex-primeiro-ministro José Sócrates, vendo-se também uma dificuldade institucional em que o processo decorra em prazos razoáveis».E à saída acrescentou: «Há um trabalho que tem sido feito, com esforços consideráveis para apuração de provas, mas segundo algumas autoridades portuguesas com as quais falei, não há uma previsão de término desse processo».

Bastou isto para que José Sócrates saísse a terreiro com artilharia pesada.Redigiu um longo post no Twitter, fez uma nota para a agência Lusa e foi a um telejornal da TVI (supõe-se que a convite do amigo Sérgio Figueiredo) atacar Moro. No seu melhor estilo, disse que ele foi um «juiz indigno», é um «político medíocre» e uma «pessoa lamentável», descrevendo-o ainda como «um ativista político disfarçado de juiz».Respondendo já no Brasil a estas diatribes, Moro reagiu assim: «Em relação à pessoa particular, não debato com criminosos pela televisão, por isso não vou fazer qualquer comentário».

Ora, o que foi ele dizer! Em Portugal, os comentadores atiraram as albardas ao ar.Como é possível um juiz chamar ‘criminoso’ a alguém que ainda não foi julgado?!E logo veio à tona o caso de Lula.Também Lula já estava condenado por Moro antes de ir a julgamento…Sousa Tavares, na TVI, pôs o caso com cândida simplicidade: Sergio Moro prendeu Lula, afastando-o da corrida presidencial, depois apoiou Bolsonaro e a seguir foi para o Governo; assim, quem nos diz que não prendeu Lula para abrir caminho a Bolsonaro e se tornar ministro?

Outros comentadores, com mais ou menos floreados, fizeram o mesmo ‘raciocínio’.A nenhum ocorreu pensar ao contrário: Moro prendeu Lula por ser corrupto, apoiou Bolsonaro por lhe parecer o candidato mais capaz de combater a corrupção, e foi para o Governo para se assegurar de que essa luta não vai parar.É evidente que Sergio Moro não devia ter chamado ‘criminoso’ a Sócrates.Mas é bom notar que o fez em resposta a ataques descabidos do ex-primeiro-ministro, que constituíram verdadeiras provocações.Além disso, todos sabemos que no Brasil e em Portugal as palavras não têm o mesmo peso.

Lá fala-se de uma forma menos formal e mais descontraída. E atenção: a presunção de inocência de Sócrates não é hoje a mesma que era no início do processo.Ficou muito mais reduzida depois da acusação.Embora formalmente um processo só acabe depois de a sentença transitar em julgado, não é a mesma coisa uma pessoa ser constituída arguida ou sobre ela já ter sido deduzida acusação – como é o caso de Sócrates.As situações não são idênticas.

Entretanto, a campanha contra Sergio Moro não é inocente.Tal como Sócrates aproveitou as suas declarações em Lisboa para lhe cair em cima com brutalidade, também os que nunca deixaram de defender o ex-primeiro-ministro mas tinham vergonha de o fazer aproveitaram a ocasião para voltar à carga. Atacando Moro, e sustentando a inocência de Lula da Silva, eles por tabela inocentam José Sócrates. Na campanha contra Moro juntaram-se, pois, os que defendem Lula e Sócrates – para lá dos opositores de Jair Bolsonaro.E por isso chamei ‘idiotas úteis’ aos que, não estando nesta onda, se associaram à campanha.

Não é o caso de Sousa Tavares – que defendeu Sócrates quase até ao fim e continua a sustentar a inocência de Lula e a dizer que a sua prisão visou abrir o caminho a Bolsonaro.Isso poderia ser verdade se o processo só tivesse Lula como arguido.Ou ele mais duas ou três pessoas.

Mas a Operação Lava Jato envolveu centenas de arguidos, 70 dos quais já foram condenados e muitos estão presos, havendo ainda muita gente sob investigação. Além disso, não foi só Moro a intervir no processo de Lula – foram vários outros juízes, incluindo o Supremo Tribunal, que lhe reduziu a pena mas não negou a acusação. Não esquecendo que o ex-Presidente brasileiro é visado noutros seis processos, em diferentes instâncias, que poderão resultar em mais condenações.

Ora, estando o PT metido até às orelhas no Lava Jato e na corrupção no Brasil, com vários dos seus dirigentes condenados e presos, alguém acredita que o chefe máximo esteja candidamente inocente?Mas é isto mesmo que pretendem os que atacam Sergio Moro.