Cobras e lagartos depois do divórcio da ‘geringonça’

Sempre, ou quase sempre, que um casamento ou um namoro acaba, dizem-se coisas horríveis, que, de certa forma, anulam tudo o que se viveu. Foi como se o tempo passado juntos tivesse sido um pesadelo. Nunca percebei muito bem esta estratégia, pois ao dizer-se mal de quem nos separamos estamos a dizer mal de nós…

Sempre, ou quase sempre, que um casamento ou um namoro acaba, dizem-se coisas horríveis, que, de certa forma, anulam tudo o que se viveu. Foi como se o tempo passado juntos tivesse sido um pesadelo. Nunca percebei muito bem esta estratégia, pois ao dizer-se mal de quem nos separamos estamos a dizer mal de nós próprios. Nada como preservar a dignidade e seguir em frente. O que se passou nos dois últimos dois dias da ‘geringonça’ fez-me lembrar muito esta narrativa. Então os amiguinhos sempre estiveram de costas voltadas? Viviam na mesma casa, mas diziam cobras e lagartos nas costas, e em público era só carinhos. E a declaração mais forte de amor era dada no momento da votação dos Orçamentos do Estado. É certo que o casamento nunca foi consumado, mas viviam uma verdadeira união de facto.

Fantochadas e golpes de teatro à parte, os políticos deram uma triste imagem ao país, já que se acusaram mutuamente de estarem a mentir nas contas. O comum dos mortais, claro está, irá inclinar-se para a sua cor partidária, com os professores e todas as outras classes que querem o seu tempo de trabalho descongelado a virarem-se contra Costa, embora não se saiba muito bem em quem irão votar. As europeias serão um bom barómetro para se perceber como vão as contas partidárias dos portugueses. Quando se concretizam as separações é preciso dividir os tarecos, havendo quem leve a coisa até aos copos de plástico. No caso da ‘geringonça’, os pertences serão as autorias das melhores medidas para as populações. O PCP vai gritar nas ruas que tudo o que foram ganhos só aconteceram por sua iniciativa, já que Costa assim  foi obrigado. O BE, à semelhança do PCP, vai gritar que o Governo teve dinheiro para injetar nos bancos, mas recusa-se a fazer justiça com os professores. Vão também defender que o aumento do salário mínimo, o descongelamento de algumas reformas, a criação do passe único, etc, foi tudo obra sua.

Costa, como é óbvio, vai atirar-se à direita, dizendo que é a responsável pela crise política criada, já que mudou de opinião e se juntou à esquerda, não lhe restando outra alternativa que não seja demitir-se e convocar eleições antecipadas em três ou quatro meses. Vai deixar os ‘namorados’ da ‘geringonça’ dizerem que eles é que eram bons, para lhes dar a estocada final: a união de facto só existiu porque ele se sujeitou a muitos maus-tratos, tudo em nome da estabilidade. E a direita também não se vai sair bem desta escapadela, pois torna-se um pouco incompreensível que tenham defendido a troika e agora se ponham ao lado do BE e do PCP. O grande problema para António Costa é que os professores,  polícias e demais funcionários públicos estão furiosos, pois já estavam a contar com mais uns cobres ao fim do mês. A juntar-se a esta história toda há que acrescentar os camionistas que não vão perder uma oportunidade de instabilidade para fazerem valer as suas reivindicações. O país nos próximos tempos vai ser vivido nas ruas, com o PS a fazer de PSD do tempo da troika, e não é completamente descartável que, à semelhança de Passos Coelho, Costa possa vencer as próximas eleições, já que uma parte significativa do povo gosta de estabilidade e não se irá esquecer do passe único, talvez a medida mais bem sacada do Governo de Costa. É claro que esse dinheiro gasto faz falta para descongelar outras contas, mas isso é a vida.