Chipre. Assassinatos causam demissão de ministro

A descoberta de um assassino em série em Chipre e a inação das autoridades levou à demissão do ministro da Justiça. E levantou questões sobre a vida das mulheres imigrantes no país. 

Chipre. Assassinatos causam demissão de ministro

Poucos são os casos em que a detenção de um assassino em série leva ao afastamento de governantes e a mudança de políticas. Mas foi o que aconteceu no Chipre com a detenção de um militar cipriota-grego, acusado de ter assassinado cinco mulheres e duas crianças estrangeiras, sem que as autoridades tenham feito qualquer esforço para investigar os seus desaparecimentos, alguns deles há quase três anos. O ministro da Justiça cipriota, Ioanas Nicolao, apresentou a sua demissão por razões de «responsabilidade política», mas garantiu ser «completamente injusto» atribuir-lhe as culpas, a ele ou ao Governo, por erros na investigação da polícia aos desaparecimentos. 

O Presidente cipriota, Nicos Anastasiades, aceitou a demissão do ministro com «grande pena» e sublinhou que partilha da revolta pública pelos assassinatos, apelando ao Governo que seja determinado no apuramento do que se passou nestes «horrendos assassinatos». Por sua vez, o chefe da polícia cipriota, Zacharias Chrysostomou, ordenou a abertura de uma investigação à atuação da polícia sobre os desaparecimentos com o objetivo de se apurar se os trâmites normais foram seguidos e se houve negligência. Os resultados serão enviados ao procurador-geral. Ainda assim, o chefe de polícia encontra-se numa posição sensível, com o Presidente cipriota a poder pressionar para que siga o exemplo do ministro da Justiça. 

Além do anúncio da sua demissão, Nicolao afirmou que o país deve um pedido de desculpas às famílias das vítimas, cujos corpos serão repatriados para os seus países de origem, sendo os encargos assumidos pelo Estado cipriota. O governante também anunciou a criação de um departamento especial no gabinete do provedor de Justiça para se examinarem as mais de 3600 queixas entregues por trabalhadores estrangeiros contra os seus empregadores. 

A morte das sete pessoas às mãos de Nikos Metaxas, de 35 anos e militar do exército cipriota, escandalizaram a nação. Foi o primeiro caso de um assassino em série no país e chamou a atenção para as deploráveis condições de vida que muitos trabalhadores imigrantes sofrem às mãos dos seus patrões. Há até quem as classifique como «escravatura moderna». 

Chamada de atenção

«Os assassinatos são uma chamada de atenção», disse Lissa Jatass, trabalhadora doméstica que luta pelos direitos das mulheres imigrantes no país, à BBC. «As empregadas domésticas sofrem com este mau sistema. As mulheres são as que menos estão representadas na sociedade», continuou. Opinião partilhada por Santie, trabalhadora filipina: «Vimos para cá e sacrificamos as nossas vidas. Temos as nossas famílias para alimentar, crianças para enviarmos os nossos salários. Fazemo-lo para apoiar as nossas crianças. Mas somos tratadas como escravas».

Longas horas de trabalho, poucas folgas, salários baixos e assédio sexual fazem parte do dia-a-dia destas trabalhadoras. «Pediram-me que trabalhasse num restaurante, na casa, fora da casa», denuncia Santie, explicando que passados quatro meses lhe cortaram o salário a metade por o seu patrão lhe ter dito não poder pagar mais, ao contrário do acordado. Foi assediada e queixou-se ao seu agente, mas este nada fez. O assédio continuou e, com o medo a aumentar, decidiu fugir.  

Quando uma família não é capaz de lhes pagar o salário sozinha, repartem a trabalhadora por duas ou mais famílias, o que viola a lei. Na prática, as trabalhadores trabalham 14 horas por dia, seis dias por semana, violando todas as disposições internacionais sobre o trabalho e as leis da União Europeia.

Um sistema com tentáculos até nos países de onde provêm as trabalhadoras, como as Filipinas e a Roménia. Quem quer emigrar para encontrar uma vida melhor e novas oportunidades vê-se a braços com o pagamento de uma ‘propina’ aos agentes, podendo esta rondar dois mil a sete mil dólares, segundo a BBC. Estes pagamentos são ilegais, mas, explicou Santie, há quem, como foi o caso dela, peça empréstimos bancários para os assumir. No primeiro ano de trabalho no país, as trabalhadoras dedicam-se a pagar o empréstimo, vendo-se sobrecarregadas financeiramente e ficando em situações de sobre-exploração. «Estava com muito medo de voltar às Filipinas por não ter pago a minha propina», disse Santie. 

Para Doros Polykarpou, editor executivo da Kisa, organização não-governamental que se dedica a apoiar imigrantes em Chipre, esta situação é bastante comum. «Pode imaginar-se a pressão para não se perder o emprego ou a residência por não se poder regressar sem devolver o dinheiro que se pediu emprestado», explicou Polykarpou. «Quantas mais pessoas circularem, mais lucro fazem». 

Os assassinatos que escandalizaram

Um turista alemão fotografava uma mina abandonada quando, subitamente, começou a chover. Um dos poços encheu-se e à tona vieram dois corpos – os de Mary Rose Tiburcio e Arian Palanas Lozano, ambas de nacionalidade filipina. 

Chamadas ao local, as autoridades retiraram os corpos da água e começaram a investigar o lago Kokkinopezoula, próximo da mina, encontrando mais corpos. Entre as vítimas estavam Livia Bunea, de origem ucraniana, e a sua filha Elena, de oito anos, bem como Sierra, de seis anos e filha de Tiburcio. O corpo de uma mulher de feições asiáticas também foi encontrado. Das sete vítimas, apenas foram encontrados cinco corpos de pessoas desaparecidas em 2016 e dezembro de 2017.

A polícia começou a investigar a vida das vítimas, nomeadamente a de Tiburcio, com as mensagens online trocadas a serem algumas das principais pistas. Tão importantes o foram que acabaram por levar as autoridades ao militar Nikos Metaxas. O militar usava o pseudónimo Orestis para contactar a mulher numa aplicação de encontros.  Detido, acabou por confessar os crimes: «Estou aborrecido. Quero ir para a prisão. Tragam-me alguns papéis para que possam escrever tudo», disse o suspeito, citado pelo jornal cipriota Politis. Querer relatar o crime é comum nestes casos. 

Com a descoberta dos corpos surgiram críticas à polícia e ao Governo. «Se tivessem feito o seu trabalho no caso de Bunea, cinco vidas poderiam ter sido poupadas», criticou em editorial o jornal Cyprus Mail, sublinhando que «talvez o total desrespeito da polícia pela segurança das mulheres estrangeiras pobres, incluindo mães solteiras, se reflita na atitude da nossa sociedade, que não está particularmente preocupada em proteger os estrangeiros fracos, empobrecidos e sem poder que trabalham em Chipre».