Pedro Sanchéz. O tiro certeiro que resgatou o PSOE da obscuridade

O homem que sofreu uma das maiores derrotas da história do PSOE, em 2015, deu a volta e regressa a Moncloa como líder do partido mais votado. A ‘coligação Frankenstein’ colocou-lhe o Governo nas mãos em 2018 e ele soube aproveitar. Todos se questionam que nova aliança pode o artificie agora montar.

Pedro Sanchéz. O tiro certeiro que resgatou o PSOE da obscuridade

Um tiro certeiro no último minuto pode decidir um jogo. Uma lição que o líder do PSOE, Pedro Sánchez, aprendeu na sua juventude, enquanto ávido jogador de basquete, e que aplicou à risca na arena política espanhola. A chamada ‘coligação Frankenstein’ – uma aliança improvável entre os socialistas, os seus rivais diretos do Unidos Podemos e os partidos independentistas – conseguiu arrancar do poder o Partido Popular, abrindo o caminho para Sánchez chegar ao Palácio de Moncloa. Enquanto primeiro-ministro, Sánchez afastou o PSOE da obscuridade a que se dirigia, após a derrocada eleitoral de 2015 – em que o partido teve o pior resultado desde o fim do franquismo. Hoje, o sucesso dessa estratégia arriscada é confirmado pelos resultados das eleições antecipadas de 28 de abril, nas quais o PSOE foi o grande vencedor, sendo o partido mais votado por larga margem. O crescimento de 85 para 123 deputados impediu uma maioria de direita, permitindo ao primeiro-ministro ponderar, sem pressas, se quer tentar governar sozinho, em minoria, ou formar uma nova coligação.

Sánchez, formado em Ciências Económicas e Empresariais em Madrid e Bruxelas, era deputado quando, em 2014, foi eleito secretário-geral do PSOE. O novo líder trazia uma promessa de rejuvenescimento do partido, que recebeu das mãos dos barões socialistas num estado lastimável, perante o crescimento exponencial do Podemos – o partido da esquerda radical, liderado por Pablo Iglesias e herdeiro das mobilizações antiausteridade de 15 de Março. O novo partido marcava a agenda, comendo o espaço do político do PSOE – ao qual terá roubado cerca de 25% do eleitorado. Algo que se sentiu logo nas eleições de 2015, no rescaldo das quais o novo secretário-geral recusou apoiar qualquer outro partido para formar Governo. Sánchez não queria dar mais protagonismo ao Podemos, num momento de fragilidade do PSOE, mas temia também o custo político de uma aproximação ao Partido Popular, associado à austeridade e a escândalos de corrupção. Esse período de ingovernabilidade surtiu novas eleições no ano seguinte, nas quais quase toda a esquerda radical se uniu no Unido Podemos, sonhando ultrapassar o PSOE como principal força à esquerda. Após fintar essa ameaça – por muito pouco – uma crise interna no PSOE provocou a demissão de Sánchez, que recusou abster-se e permitir um Governo do PP, contra a opinião dos barões socialistas – incluindo Susana Díaz, a toda poderosa líder da Andaluzia, o histórico bastião do PSOE. Parecia o fim da linha para Sánchez, delegado a um lugar secundário no seu partido, mas que se fez à estrada para reunir com militantes de todo o país, conseguindo uma vitória nas eleições internas de 2017 – com o voto das bases e a oposição de largos setores da direção.

Entretanto, o referendo pela independência da Catalunha, em outubro de 2017, redesenhava trincheiras na campo de batalha político espanhol. As divisões nacionalistas atingiram com força o Podemos, que se recusou a tomar uma posição clara, condenando a repressão policial contra os catalães mas sendo contrário à independência da Catalunha – defenderam um projeto federalista que já não agradava a ninguém. Já Sánchez não teve meias medidas e abraçou a posição da maioria do seu eleitorado, intransigente quanto à unidade de Espanha. O líder do PSOE alinhou de perto com Rajoy quanto à aplicação do artigo 155 – que coloca o poder regional nas mãos de Madrid em caso de incumprimento da Constituição. Aliás, em alguns pontos, Sánchez pareceu querer ir ainda mais longe do que Rajoy, que acusou de indecisão e falta de vontade política quanto ao assunto, alguns meses depois – apesar das imagens da Guardia Civil a carregar sobre eleitores durante o referendo mostrarem tudo menos hesitação. 

O grande momento de Sánchez chegou em 2018, quando um escândalo de financiamentos ilegais do PP devastou o Governo de Rajoy, acusado pela oposição de obstruir a justiça durante o processo. Os socialistas chegaram-se à frente, aprovando uma moção de censura com 180 votos a favor – mais cinco votos que os 175 necessários a uma maioria. Sánchez não teve pudores em usar o êxtase com a queda de Rajoy para ir além das fraturas nacionalistas, cosendo a ‘coligação Frankenstein’ que o votou primeiro-ministro em junho de 2018. Para manter a frágil aliança, Sánchez levou a cabo uma reversão parcial da austeridade imposta por Bruxelas, incluindo um aumento do salário mínimo para 900 euros, a maior subida desde 1977, de 22%. «Um país rico não pode ter trabalhadores pobres», proclamou o primeiro-ministro. O entusiasmo e apoio de Iglesias foi contrabalançado com o crescente ressentimento dos independentistas catalães, que explodiu com o julgamento dos seus líderes, que arriscam pesadas penas de prisão por levarem a cabo o referendo de 2017. Sánchez foi forçado a convocar eleições antecipadas, nas quais surgiu um novo fator – o crescimento eleitoral do partido de extrema-direita Vox, que ameaçava entrar com força no Parlamento espanhol, depois a derrota dos socialistas na Andaluzia. Perante a possibilidade de uma maioria de direita – articulada pelo PP e incluindo o Vox e o Ciudadanos – o líder do PSOE apresentou-se como moderado, europeísta e a única alternativa ao nacionalismo, enquanto o ímpeto radical do Unido Podemos desaparecia com o desgaste do apoio ao Governo. A derrota das três direitas ressuscitou um partido que rumou a um papel secundário e que, de súbito, é o mais votado. Hoje, o doutor Frankenstein contempla os seus rivais do PP, feridos de morte, enquanto avalia calmamente que próxima coligação improvável montar – ou não.