“A política portuguesa está de cabeça para baixo”

Em entrevista ao jornal i, Pedro Santana Lopes considerou que a política portuguesa está de cabeça para baixo na sequência da polémica em torno do descongelamento das carreiras dos professores.

Ao fazer este ultimato de demissão do Governo, António Costa encontrou uma saída para um cenário de eleições antecipadas e jogar tudo para uma maioria absoluta?

Sim, é manifesto que António Costa se tentou aproveitar da situação e fazer um aproveitamento político do erro clamoroso levado a cabo na comissão parlamentar de Educação.

As negociações entre PSD, CDS e a esquerda na Comissão de Educação para descongelar o tempo integral das carreiras de professores foram um desastre para a direita?

Sim. Com o devido respeito pelas pessoas, mas é um dos piores momentos da direita, do centro-direita, desde o 25 de abril. Pior, em termos de consequências negativas. O que aconteceu atenta contra aquilo que é o património histórico do centro-direita em Portugal, nomeadamente, este que é simples. Que é o princípio da separação de poderes. As pessoas mais novas não se lembram do que foi o primeiro Governo de Cavaco Silva, em 1985, que era um Governo minoritário. Foi o melhor Governo – dizem – de Cavaco Silva, e do qual fiz parte. Humildemente fui secretário de Estado da Presidência do Conselho [de Ministros] e foi uma luta titânica para evitar o Governo de Assembleia. Se há algo em Portugal que o centro-direita sempre rejeitou foi o Governo pelo Parlamento. Ou seja, o Parlamento não pode começar a tomar medidas, a não ser quando aprova um Orçamento do Estado, de impacto financeiro durante o exercício orçamental. Por isso, é que existe a lei-travão.

Esta proposta tal como ficou definida na passada quinta-feira é inconstitucional?

Na minha opinião, é inconstitucional a vários títulos. Para quem não se lembre fui muitos anos docente humilde, também de Direito Constitucional, e não tenho dúvida alguma disso. À luz do princípio da igualdade, da separação de poderes… Quer dizer, então como é? Quando se vem dizer, ‘ah não, isto é só para futuro’, então, para o passado era impossível. Diz-se, então, não é para este ano. Pior. Vincula os anos seguintes da governação. Ainda não se sabe quem vai ser Governo. Julgo eu.

Mas se ficar a garantia de que o descongelamento de 9 anos, quatro meses e dois dias, será feito apenas segundo a sustentabilidade das contas públicas?

Vamos lá ver, do ponto de vista do país é melhor, do ponto de vista dos seus protagonistas é pior a emenda do que o soneto. 

Há aqui alguma traição ao património da direita?

Não quero ser ofensivo, até por consideração pessoal. Todos nós temos momentos melhores e piores. Agora os nossos momentos piores não podem trazer gravíssimas consequências para o país. E o que se percebe aqui é que ao recuar em dois dias, eles próprios deram conta do erro enorme que cometeram senão não recuavam. Calculo que não seja por medo ou que não seja porque julgavam que iam conquistar ou caçar, como se costuma dizer, muitos votos e depois acharam que não. E agora acham que conquistam – ou que perdem menos – votos assim. Quero acreditar que perceberam que era um erro para o país e porquê? Não é só de agora que digo isto, a minha posição é igual à de quando disputei eleições diretas com o Dr. Rui Rio. Fui recebido pelo secretário-geral da UGT e pela presidente da UGT. E sei que a posição deles era defender a contagem integral do tempo, embora depois negociado para ser feito de forma faseada. E lembro-me de ter dito na altura, e até na campanha das diretas do PSD, e penso que não há outra maneira de fazer as coisas: temos que considerar todas as classes profissionais que dependem do Estado e depois ver qual é o critério justo de modo a abranger todas. Não estou a defender que os professores não tenham razões, algumas até muito específicas em termos de progressão das carreiras, mas não podemos fazer isto para uma classe e deixar as outras. Está, aliás, visto: já todas estão a pedir o mesmo.

Abriu-se aqui uma caixa de Pandora e qualquer classe profissional da função pública vai querer pedir um tratamento igual.

Com certeza. E o que disse na altura, no final de 2017, foi: o Governo que faça as contas, e que diga, para todas as classes profissionais, o que custaria aquilo que está agora a ser pedido pelos professores. As contas globais nunca foram apresentadas, mas aí não estaríamos a falar de 800 milhões de euros, estaríamos a falar de milhares de milhões. E portanto estamos num plano de uma gravidade de consequências financeiras absolutamente insustentável.

Aí António Costa tem razão?

Não vou dizer que ele tem razão. Deixe-me dizer o seguinte: na minha opinião, quem abriu a caixa de Pandora foi o Governo com todas as expectativas que foi sustentando ao longo destes anos. Depois o Governo abre a caixa para uns, fecha para outros, passa a vida a abrir e a fechar a caixa. E portanto houve aqui uma inversão de papéis – o PSD e o CDS com o Bloco e o PCP fizeram de geringonça, e Costa e Centeno fizeram de Passos Coelho e Vítor Gaspar. E Paulo Portas, que não pode ser esquecido porque fez também parte do Governo. Diria que a política portuguesa está upside down, de cabeça para baixo, ao contrário. E isso também foi um erro muito grave da direita no Parlamento porque deu a António Costa e Mário Centeno a oportunidade de consolidar uma imagem, ou de chamarem para si essa imagem das contas certas, que é um património também ele da direita e do centro-direita. Esta atitude que foi tomada pelo PSD e pelo CDS atentou gravemente contra o património representado principalmente por Cavaco Silva, por Pedro Passos Coelho e por Paulo Portas durante muitos anos. E em certa medida também por Durão Barroso, porque Durão Barroso também governou a seguir à saída do procedimento de défice excessivo.

Leia aqui a entrevista na íntegra