Costa. Crise em marcha

Mário Centeno precipitou a crise política, com a ameaça de bater com a porta face ao diploma aprovado na AR. António Costa tocou a rebate e  foi a Belém preparar terreno para a demissão do Governo. Que pode acontecer dia 15. A antecipação das eleições para julho está em cima da mesa.

Costa. Crise em marcha

António Costa falou sexta-feira ao país, num dos momentos mais complicados da sua governação, para dizer aos portugueses, sem meias medidas, que se demite se o Parlamento aprovar a contabilização de nove anos, quatro meses e dois dias de descongelamento de carreiras dos professores. A ameaça tem data marcada: 15 de maio, prazo-limite para a votação final global da proposta.

Após uma reunião de 30 minutos com o Presidente da República, em Belém, o primeiro-ministro colocou o plano de crise política em marcha, preparado durante a manhã de ontem, em São Bento, perante a evidência de que não haveria recuos. Os parceiros de esquerda, PCP, PEV e BE recusaram o ultimato do chefe de Governo, que abordou os custos da medida: 340 milhões de euros entre este ano e 2020, sem contar com um encargo anual de 800 milhões de euros anuais para descongelar as demais carreiras da Função Pública. «Colocaria em situação de desigualdade os demais funcionários públicos e os portugueses que sofreram nos salários e impostos os efeitos da crise», justificou António Costa.

Um dos argumentos decisivos para se precipitar o cenário de crise foram os argumentos do ministro das Finanças, Mário Centeno, invocados logo na quinta-feira à noite: um quadro insustentável, com a necessidade de se refazer o programa de estabilidade, já entregue em Bruxelas. Ora, Mário Centeno é presidente do Eurogrupo. Pelo que a sua situação seria insustentável e, segundo o SOL apurou, o governante terá mesmo ameaçado bater com a porta caso tais encargos passassem a letra de lei – com a aprovação na AR.

Centeno sem alternativa

O Ministério das Finanças não fez comentários ao SOL, e fontes próximas do ministro garantem que Centeno não chegou a apresentar a demissão a António Costa. Porém, fontes socialistas admitiram ao SOL  que o ministro não teria hipóteses de ficar no cargo, uma vez que teria de fazer um orçamento retificativo e, por uma questão de coerência, teria de sair.

Perante este cenário, Costa deu o passo em frente: a haver demissão será dele próprio e do seu Governo em peso.

Aliás, este cenário ficou desde logo claro com a afirmação de que o diploma «condiciona de forma inadmissível a governação futura em termos que só o eleitorado tem legitimidade para aprovar».  Dito de outra forma: a medida só pode ser aprovada se passar no crivo de eleições. Neste caso, de novas eleições legislativas.

Com a demissão do Governo, cabe ao Presidente da República marcar eleições no prazo de 60 dias. Ou seja, as próximas legislativas, em vez de Outubro, poderão realizar-se em julho.

‘Despesismo’ colado à direita

Costa acusou ainda PSD e CDS de «total desrespeito pelo princípio da estabilidade orçamental», tentando colar a imagem de despesismo a Rui Rio, líder do PSD, e a Assunção Cristas, líder do CDS. Contudo,  também lembrou que nenhum dos seus parceiros de esquerda tinha previsto o descongelamento completo das carreiras de docentes nos seus programas. Por isso, recusou que estivesse a ceder a uma estratégia de eleitoralismo, porque não foi o Governo que escolheu o calendário para aprovar a proposta de alteração a um decreto-lei do Governo.

E afinal que proposta é esta? O texto aprovado no Parlamento, quinta-feira à noite, não estava ontem fechado, mas foi consensualizada entre PSD, CDS, BE, PCP e PEV, e os responsáveis pela chamada ‘coligação negativa’ garantiram que não terá efeitos no Orçamento do Estado de 2019.  Para já, o que foi aprovado foi a recuperação de 2 anos, 9 meses e 18 dias de tempo de serviço congelados pagos em 2020, com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2019.

Os prazos de pagamento não são os do Governo, mas o tempo de descongelamento foi o proposto pelo PS. Ora o remanescente, para perfazer 9 anos, quatro meses e dois de recuperação integral do tempo congelado, não tem prazos definidos e dependerá da situação económica e da negociação entre executivos e sindicatos.

A queda da ‘geringonça’

PCP e PEV não aceitaram o ultimato do Governo, sinalizando que mantêm o seu sentido de voto. Mais, os comunistas consideraram que « a chantagem do Governo com o PCP não funcionará» e João Oliveira, líder parlamentar do PCP, responsabilizou António Costa de «calculismo eleitoral», num sinal claro de fim da geringonça.  No PS o tom de ataque aos parceiros da geringonça também subiu de tom.

Menos crítica foi Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, ao considerar que «este ultimato é uma precipitação».

Depois de cancelar a agenda que tinha na Guarda, a coordenadora do BÊ deixou a pergunta: «Faz sentido deitar borda fora o trabalho de conjunto».

Marcelo a banhos

Horas antes do anúncio do primeiro-ministro, o líder do PSD, Rui Rio considerou que o cenário de crise política é «teatro». E, perante a hipótese de eleições antecipadas, o presidente social-democrata respondeu: «Se há eleições em agosto ou setembro não faz diferença nenhuma, as eleições já estão marcadas para outubro», disse.

Já Assunção Cristas, líder do CDS, considerou todo o processo uma «fantochada», e acusou Costa de falta de credibilidade, pedindo uma audiência a Belém. 

Para já, Marcelo recebeu ainda e só António Costa, numa reunião que foi anunciada por Belém como sendo a habitual reunião semanal das quintas-feiras entre o Presidente e o primeiro-ministro. Mas António Costa fez questão de marcar a declaração ao país para imediatamente a seguir ao encontro com Marcelo, esclarecendo que informou o Presidente da consequência da aprovação parlamentar do diploma ser a demissão do seu Governo.

Curiosamente, e como acontece em momentos tanto de maior descontração como de crise, Marcelo decidiu ir dar um mergulho e nadar no mar de Cascais mesmo antes da reunião com Costa.

Governo de gestão?

O Presidente da República ainda pode tentar travar uma antecipação de um cenário de crise, mas, se optar por eleições antecipadas, a expectativa no PS é a de que o Executivo não fique muito tempo em gestão. Sobretudo porque há uma época de combate a incêndios.

De facto, um Governo é considerado de gestão «antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, ou após a sua demissão», segundo a Constituição. O cenário mais rápido apontaria para eleições durante o mês de julho.