Da Indonésia ao karoshi. Quando o trabalho mata

Na Indonésia, mais de 270 pessoas morreram vítimas de excesso de trabalho e exaustão, durante a contabilização dos votos naquelas que foram as maiores eleições do mundo. No Japão, existem tantos casos de morte por trabalho em demasia e falta de descanso que as autoridades já criaram um termo para este problema: karoshi.

Foram horas a contar milhões de pequenos papéis. Horas com níveis de concentração acima da média, com o corpo tenso, com os nervos à flor da pele. O que ninguém esperava era que se chegassem a níveis de cansaço tais que o desfecho fosse a morte. Mas foi precisamente isso que aconteceu na Indonésia.

A 17 de abril, realizaram-se as maiores eleições do mundo: os 193 milhões de eleitores indonésios foram chamados às urnas para votarem tanto nas eleições Presidenciais como nas Parlamentares. A afluência foi de cerca de 80% e cada pessoa teve de preencher até cinco boletins de voto, em mais de 800 mil locais de voto espalhados pelo país. Ou seja, terão sido preenchidos cerca de 770 milhões de boletins de voto.

Este volume anormal de trabalho acabou por custar caro: das sete milhões de pessoas envolvidas no gigantesco processo logístico, 272 acabaram por perder a vida, revelou Arief Priyo Susanto, porta-voz da comissão eleitoral do país. Outras 1878 adoeceram na sequência do excesso de trabalho.

O Ministério da Saúde assegurou que estão a ser prestados todos os cuidados médicos aos doentes ainda internados e o Governo já confirmou que as famílias das vítimas mortais serão indemnizadas.

No meio de tudo isto, a contabilização dos votos ainda não terminou e os resultados só deverão ser divulgados no dia 22 de maio. Tanto o presidente Joko Widodo como o seu opositor, Prabowo Subianto, declararam vitória.

 

Outros casos

Esta história chocou o mundo devido à sua dimensão – é difícil encontrar outros casos em que tantas pessoas tenham perdido a vida na mesma ocasião devido à uma quantidade anormal de trabalho. Mas existem outras situações que também deram muito que falar. É o caso de Vlada Dzyuba. Em 2017, a modelo russa, de 14 anos, foi submetida a um horário intenso trabalho e o seu organismo não aguentou: a menina, que tinha sido contratada para desfilar num evento de moda em Xangai,
na China, entrou em coma e morreu poucos dias depois.

As defesas de Vlada estavam muito em baixo e a adolescente acabou por desenvolver uma meningite crónica. Foi essa doença que a atirou para o coma. Segundo a imprensa, a modelo tinha um contrato que só a permitia trabalha três horas por semana. No dia em que morreu trabalhou 13.

Outro caso que saltou para os escaparates dos jornais foi o de Miwa Sado. Em 2013, a jornalista da emissora pública japonesa, NHK, morreu depois de 159 horas extras de trabalho. No mês que antecedeu a sua morte só tinha gozado duas folgas. Os inspetores do trabalho japoneses foram claros – a jovem foi vítima de excesso de trabalho.

Foi a própria NHK que, em 2017, divulgou a história de Sado. A jornalista morreu três dias depois de cobrir as eleições da Assembleia da área metropolitana de Tóquio e as eleições para a Câmara Alta do Parlamento japonês, em junho e julho de 2013. A emissora pública japonesa diz que preferiu só revelar agora a causa da morte por respeito à família da jornalista.

 

Karoshi, um problema nacional

O Japão tem tantos casos de morte por exaustão no trabalho que criou um termo para este problema: karoshi. O Governo já tentou implementar algumas medidas que ajudem a aliviar o dia-a-dia dos japoneses, mas a cultura do excesso de trabalho e da exaustão está tão enraizada neste povo que chega a ser difícil incutir nos trabalhadores o direito do descansado – situação, aliás, clara nos últimos dias. No passado dia 1 de maio, o imperador Akihito renunciou ao trono para dar lugar ao seu filho Naruhito. Para assinalar esta data tão importante, o Japão impôs uma pausa laboral de 27 de abril a 6 de maio, denominada semana dourada, que junta vários feriados nacionais.

O problema é que os japoneses dizem que não saber o que fazer com «tanto tempo» livre. «Eu não sei o que farei com tantos dias de férias», disse uma jovem de 24 anos à agência de notícias Efe.