A doença da saúde

Tenho a sensação que a substituição do anterior ministro da Saúde foi um momento de reconhecimento da crise e da saturação do setor.

Saiu mal, o ministro, foi o último a saber.

E, de repente, surgiu a ministra do esquerdismo militante, a proposta ideológica pura, a invenção do problema da separação das águas como a chave da solução.

Ora, o SNS é algo de essencial, de impossível de combater, de absurdo motivo de negação.

Não acredito que exista alguém capaz de a sua extinção defender.

O SNS é uma defesa primeira e última universal da população portuguesa. Merece que o Orçamento do Estado lhe atribua uma parte essencial dos recursos públicos.

A verdade é que, apesar de todas as dedicações que o servem, percebe-se não ser capaz de responder a todas as solicitações.

Os portugueses vivem, na sua generalidade, um drama sucessivo.

Como não há médicos de família suficientes, o doente remete-se à espera ansiosa para dizer o que sente.

Como nos hospitais as especialidades têm listas de espera infindas para as consultas, os doentes aguardam meses por uma oportunidade.

Como não bastam os recursos disponíveis para os exames, os doentes mantêm-se na incerteza.

Como a cirurgia é um bem escasso na disponibilidade, o doente suspira pela solução.

Como não há cuidados continuados ou paliativos suficientes,  o doente morre abandonado.

Porque é que isto acontece assim?

Talvez seja por falta de capacidade organizativa, mas é sim, certamente, por falta de dotação suficiente de recursos do Estado.

E a verdade é que ninguém, em seu juízo perfeito, entenderá não ser o SNS uma absoluta prioridade pública.

Portanto, mais anacrónica  parece ser a manutenção do SNS na base da dívida prolongada, do pagamento diferido, do desequilíbrio real das administrações.

A saída da nova ministra foi apresentar uma nova lei de bases da saúde. Discordante da proposta elaborada por Maria de Belém, não apoiada pelo anterior ministro. Mas tentando colocar a questão na prevalência absoluta do público, principalmente na gestão  de recursos para evitar a drenagem de fundos públicos.

Pode ser uma proposta que leva o Bloco de Esquerda ao paroxismo. Tem um problema, ignora a realidade.

Ao lado do setor público, existe um enorme conjunto de convenções, de seguros de saúde, de cirurgias de recurso, de um abrigo nos cuidados continuados na área social,  da intervenção essencial da ADSE que lhe retira pressão.

Ao lado do setor público e nele integrada, existe  a hipótese das PPP que se reconduz à gestão privada de instrumentos públicos.

O mundo é visto de olhos fechados.

Ou seja, se a festa ideológica se fizesse, os constrangimentos da resposta às solicitações dos doentes acabariam por ser agravados e o Estado penava.

É por isso que este episódio dos acordos excludentes, simultaneamente secretos e publicitados,  e das cartas abertas e da reclamação da herança política são uma realidade triste e uma invenção espúria.

A ministra, entusiasmada, propôs. O Bloco divulgou. Foi a revolta.

Perdeu a ministra? Certamente.

Mas o primeiro dos ministros que, em silêncio, tentou aproveitar a iniciativa e percebeu quando perdeu o pé, não fica melhor.

Fica como os portugueses, doente.