Conhecimento, coesão social e sustentabilidade

Não devendo a cultura ser um luxo, é indispensável compreender que uma sociedade será tanto mais desenvolvida se for capaz de ligar a educação, a ciência e a criação cultural à vida económica – como ponto de encontro da memória e da vida contemporânea. A criatividade em si não é suficiente, é um princípio, já…

A grande lição da crise de 2008 tem a ver com a necessidade de haver uma aposta clara na inovação e na criatividade, a partir da compreensão da importância do conhecimento e da aprendizagem; da coesão social e do combate à exclusão e da sustentabilidade económica, social, ambiental e cultural. A mera lógica do aumento do produto ou da circulação monetária ilude o tema da criação de valor. Importa transformar a informação em conhecimento e o conhecimento em sabedoria, assumindo a capacidade de aprender ao longo da vida como fator essencial da riqueza das nações modernas. Urge entender que o agravamento das desigualdades tem de ser prevenido, uma vez que sem equidade a eficiência perde-se, não bastando a igualdade de oportunidades, já que esta tem se ser completada pela permanente correção das desigualdades. Daí o aperfeiçoamento necessário no sentido de uma melhor democracia baseada na cidadania inclusiva.

Não devendo a cultura ser um luxo, é indispensável compreender que uma sociedade será tanto mais desenvolvida se for capaz de ligar a educação, a ciência e a criação cultural à vida económica – como ponto de encontro da memória e da vida contemporânea. A criatividade em si não é suficiente, é um princípio, já que o que importa é a criação de valor – desse valor que no limite não tem preço. Do mesmo modo, num momento em que as mudanças climáticas envolvem riscos dramáticos e em que as inovações tecnológicas e o mundo digital têm de ser usados ao serviço das pessoas e da qualidade de vida – a sustentabilidade tem de ser assumida e defendida em termos globais, em nome de uma verdadeira justiça distributiva e de uma equidade entre gerações. Não basta falar em mudanças, é essencial preparar-nos para a incerteza e para uma sociedade capaz de ligar as causas de todos e de cada um. A interdisciplinaridade obriga a maior exigência e as soluções para os novos problemas têm de se reportar a cada situação e a cada pessoa – e não apenas às questões gerais.

Querer tudo, para todos ao mesmo tempo é uma quimera perigosa e impossível. O que importa é garantir liberdade igual e igualdade livre e preservar uma humanidade justa. Quando se diz Educação para todos, como faz a UNESCO, diz-se essencialmente que ninguém pode ficar de fora, mas também que a singularidade e a diversidade têm de ser respeitadas. Em lugar do medo do outro e do diferente e da resistência às transformações, devemos assumir a complexidade e as suas virtualidades. A tecnologia é um meio, a pessoa humana está no campo dos fins. Estado e sociedade civil têm de estar lado a lado e garantir uma autêntica complementaridade. A concorrência e o consumo não podem comprometer o bem comum. Daí a importância da subsidiariedade, que significa encontrar o nível adequado de participação, de representação e de responsabilidade. O progresso reserva-nos potencialidades extraordinárias, a inteligência artificial e as novas tecnologias permitirão criar novos empregos e favorecer o bem-estar – mas importa estarmos devidamente preparados e de sobreaviso. As redes sociais poderão favorecer a comunicação entre as pessoas ou ser apenas circuitos fechados? Os robôs poderão libertar-nos de esforços desumanos? As energias limpas poderão salvar o planeta? A transparência confundir-se-á com invasão da esfera privada? Poderemos precaver-nos contra o ciberterrorismo?

A história da Fundação Calouste S. Gulbenkian tem estado ligada em mais de seis décadas ao lançamento de bases para o desenvolvimento humano durável e para uma cultura de paz, na realização dos seus objetivos estatutários: Arte, Ciência, Educação e Beneficência. As exigências da evolução de um mundo em acelerada mudança, capaz de assumir a dignidade humana no centro da sua ação, tem levado em cada momento à compreensão de que a sociedade toda e em especial os mais jovens são protagonistas essenciais de uma cultura aberta, assente no diálogo entre pessoas, comunidades e saberes e na preservação de um património global comum. Longe dos protecionismos, dos imediatismos e da indiferença – importa, de facto, que as Fundações se tornem fatores de conhecimento, coesão social e sustentabilidade, numa palavra a rtífices ativos e globais do desenvolvimento humano.

 

*Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian. Membro do Conselho Consultivo das Fundações.