O entusiasmo é mau conselheiro

Portugal está na moda. São os estrangeiros que nos visitam, os ricos e famosos em busca de tranquilidade à beira-mar, os louvores na imprensa internacional… Se a isto juntarmos os lugares cimeiros em instituições supranacionais – ONU, Comissão Europeia, BCE, Eurogrupo –, a conclusão só pode ser uma: está virada a página do ‘orgulhosamente sós’.

Deixou de ser surpresa ver os nossos mais altos dirigentes serem recebidos sem terem de vencer a distância reservada aos primos da província. Coisas do ‘milagre português’ e da especial habilidade do nosso primeiro.

Diga-se que a família socialista sempre teve líderes de muita simpatia e verbo fácil. Entre nós, tivemos os genuínos e as imitações baratas, que se distinguiam por se ‘expressarem com fluência e ignorância em vários idiomas’… e sobre todas as matérias. Sem embargo, foram eles que fizeram o caminho para que António Costa pise agora a passadeira vermelha que era um exclusivo do Papa Francisco.

Até aqui, só haveria motivo para nos congratularmos. Porém, a outra face da moeda fica a descoberto quando começam a levantar-se dúvidas sobre o tamanho da abertura portuguesa a tudo o que vem de fora: o escancarar das portas pode abrir brechas na muralha que protege um espaço maior.

A imprensa alemã, em particular, tem feito eco das ameaças que a tecnologia chinesa está a colocar ao mundo ocidental, bem como dos perigos que podem vir arrastados na famosa Rota da Seda, não sendo indiferente que esta faça escalas no Irão e na Turquia, cruze o Mediterrâneo, ou circunde África para atracar em Lisboa.

A esta luz, a penetração chinesa em Portugal é fonte de apreensões: quais os planos de uma economia predadora que faz de Lisboa a testa-de-ponte na Europa? Qual o grau de pureza do dinheiro que faz compras em Portugal – desde as lojas da Av. da Liberdade à OPA sobre a EDP?

Não pode ter sido por acaso que os dirigentes do PC chinês decidiram ser dominantes em setores estratégicos da economia nacional: o maior banco, a maior seguradora, a maior elétrica, a única infraestrutura de distribuição de energia… E pode ter sido essa bizarria que obrigou o ministro dos Negócios Estrangeiros a um esforço para justificar a ‘invasão’, com palavras que agravam mais do que sossegam: «Parceiros chineses têm sido fiáveis na REN, BCP, EDP (…); a China viu em Portugal um lugar seguro para o investimento das suas empresas». A explicação é piedosa, mas as dúvidas ficam.

Não é sem razão que os parceiros europeus se interrogam: não se justificará maior supervisão para os compromissos que um Estado-membro pode assumir unilateralmente, até sob o efeito dos entusiasmos súbitos? A permissividade de Lisboa não estará a criar as condições para a reedição do ardil do cavalo de Troia?

Entretanto, subsistem os receios acerca da estranha omnipresença da Huawei e sobre as ameaças da futura geração de comunicações móveis (G.5), um domínio em que o Ocidente se deixou ficar perigosamente para trás. Terá chegado a hora de enfrentar o ‘perigo amarelo’?