«Saudade é ter o mar à frente»

Sentir saudade quando se tem o mar à frente é sentir saudade de alguém que ficou ou que partiu para o outro lado do mar, é sentir saudade de alguma terra distante, é sentir saudade de vastidão, é sentir os olhos rasgados de lágrimas transformarem-se num imenso oceano

Esta afirmação poética, captada, pela Francisca, próximo do Saldanha, declara: «Saudade é ter o mar à frente». E é poética porque o seu sentido não é imediato, as palavras utilizadas têm eco dentro de nós; é como um canto, embalado no nosso interior, quando tentamos captar aquilo que diz.

Sentir saudade quando se tem o mar à frente é sentir saudade de alguém que ficou ou que partiu para o outro lado do mar, é sentir saudade de alguma terra distante, é sentir saudade de vastidão, é sentir os olhos rasgados de lágrimas transformarem-se num imenso oceano.

Quando alguém parte, ou quando somos nós a partir para novas paragens, a imagem do mar pode acentuar a ausência, a saudade. De igual modo, podemos ter saudade, frente ao mar, de um país que sentimos como nosso, com toda a carga simbólica que representa em termos emocionais, culturais ou, apenas, geográficos.

Mas, como o mar simboliza a vastidão, com a sua imensa profundidade, o seu interminável horizonte, a transparência da sua água, os ecos sensoriais que remetem para o ventre materno e o mistério que encerra, é possível olhar o mar com saudade, a saudade que se sente do que não existe, do desejo intenso de ir mais além. De igual modo, a saudade pode provocar em nós um choro tão profundo e compulsivo que se assemelha ao mar, «imenso, solitário e antigo», nas palavras de Sophia, em que as nossas lágrimas e a água do mar se fundem em perfeita harmonia.  

Sentir saudade é, pois, ter o mar em frente da vista ou do coração, na memória, ou dentro de nós. E, para nós, portugueses, o mar tem um significado profundo – relembra-nos o passado, em que fomos pioneiros na navegação à escala planetária, e lembra-nos todos os nossos antepassados, que, deste mar, partiram em busca de novos mares e de novos «mundos».

Como diz Guilherme Duarte, num texto que, na Internet, foi muito partilhado: «Ser português é ter o mar no horizonte e nunca olhar para terra, é seguir em frente até o mar acabar, é descobrir, sonhar e inventar». Ser português é, efetivamente, ter o mal sempre presente – seja o mar afável dos banhistas, o mar agreste dos pescadores ou o mar idílico dos navegadores – e senti-lo em si ou cantado na poesia.        

Efetivamente, o mar é um tema constante na poesia portuguesa, desde a poesia trovadoresca, com Martim Codax a perguntar: «Ondas do mar de Vigo, / se vistes meu amigo? / e ai Deus, se verrá cedo?», passando por Camões, ao narrar n’Os Lusíadas, a epopeia lusitana, que mora «Onde a terra se acaba e o mar começa», e pelo famoso Mar Português de Fernando Pessoa, de que são bem conhecidos os versos: «Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu» ou, ainda: «Ó  mar salgado, quanto do teu sal / são lágrimas de Portugal!», ou, ainda, os famosos versos de Sophia: «Quando eu morrer voltarei para buscar / Os instantes que não vivi junto do mar».

Portugal é um país de poetas e de marinheiros, de pessoas destemidas que enfrentam a adversidade e, incessantemente, têm a coragem de recomeçar; de, pelo mar, encontrar novos mundos e se encontrarem a si mesmas, todos os dias, porque cada novo dia é um bom dia.

 

Maria Eugénia Leitão