Fim de ano letivo marcado por greves

A crise política durou uma semana e acabou com o Parlamento a chumbar todas as propostas de alteração ao diploma do Governo. Mário Nogueira perdeu esta batalha, mas promete que vai ganhar a guerra. 

A Assembleia da República chumbou ontem todas as alterações ao diploma do Governo sobre a contabilização do tempo de serviço congelado aos professores e a crise política parece ter chegado ao fim – com António Costa a reclamar uma «vitória da responsabilidade».  

No entanto, os próximos meses adivinham-se tensos para o Governo com novas greves de professores no horizonte, até porque os sindicatos já avisaram que não vão baixar os braços e que vão continuar a reclamar a contabilização de todo o tempo de serviço que viram congelado, os nove anos, quatro meses e dois dias. 

No início da semana a plataforma de dez sindicatos vai reunir-se para definir os protestos que vão ser marcados, sendo que em cima da mesa estão as greves às avaliações dos alunos, aos exames nacionais, às aulas e protestos em ações de campanha eleitoral. Ou seja, o final do ano letivo, a quatro meses das legislativas, adivinha-se «muito complicado», avisou o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira que ontem, minutos depois da votação dos deputados do PSD, CDS e PS aproveitou para citar Mário Soares: «Só é vencido quem desiste de lutar».

E este é um aviso que os professores deixam ao atual e ao próximo Governo, com Mário Nogueira a prometer que «no primeiro dia após a tomada de posse do Governo» os professores estarão «à porta do ministério» para dizer ao próximo ministro da Educação «que se [quiser], de facto, pacificar o setor e avançar com negociações tem que resolver primeiro este problema». Nogueira aproveitou ainda para dar os «parabéns» ao PS e ao Governo por terem ganho «esta batalha», mas o secretário-geral da Fenprof avisa que «podem escrever e ter a certeza que vão perder a guerra», porque «meteram a mão na dignidade dos professores e do seu tempo de serviço».

O que vai ser aplicado aos professores

Com o chumbo do Parlamento à proposta de alteração do diploma do Governo a medida a aplicar é a contabilização de dois anos, nove meses e 18 dias. E para a mais de metade dos docentes dos quadros esta é uma contabilização que só vai ter efeitos práticos a partir de 2021, já com outro Governo em funções. 

Em alternativa, no início de abril, o Governo aprovou outro diploma que permite a alguns docentes recuperarem os dois anos, nove meses e 18 dias em três fases e de forma mais rápida, entre junho de 2019 e junho de 2021.   

Com os votos contra do PS, do CDS e do PSD, caiu por terra a contabilização de todo o tempo de serviço congelado aos docentes. E foi também chumbada a norma que estipulava que os dois anos, nove meses e 18 dias, aprovados pelo Governo, fossem considerados ainda este ano para todos os docentes.     
 
Debate aceso

Antes da votação dos partidos, o Bloco de Esquerda e o PCP teceram duras críticas à direita que, uma semana depois de aprovarem a contabilização total do tempo de serviço, acabou por recuar e votou ontem contra a alteração do diploma do Governo. Uma alteração ao sentido de voto que, aliás, entre os sociais-democratas ficou longe de ser unânime com deputados passistas a criticarem as declarações de Rui Rio e com quatro parlamentares a apresentar declarações de voto (ver texto ao lado).  

Os partidos da esquerda acusaram os sociais-democratas de só terem alterado o sentido de voto ao diploma depois de o primeiro-ministro ter ameaçado com a demissão do Governo caso o diploma fosse aprovado.

Em resposta às críticas da esquerda, o PSD disse que aprovaria o diploma caso o Bloco de Esquerda e o PCP aprovassem a norma proposta pelo partido que previa um travão orçamental que impunha que o tempo de serviço fosse recuperado de forma faseada ao longo dos anos, de acordo com a taxa de crescimento do PIB.

Para o Bloco de Esquerda o recuo do PSD e do CDS na votação não passa de «uma manobra de campanha eleitoral» à custa dos professores, frisando que, quando aprovaram o diploma tanto Rui Rio como Assunção Cristas, «sabiam exatamente o que estavam a votar». 

Também o PCP recusou votar o travão orçamental proposto pelos partidos da direita. Já Heloísa Apolónia disse que a alteração ao sentido de voto do PSD e do CDS é «uma absoluta traição» aos professores. 

Em resposta às fortes críticas, a deputada Margarida Mano defendeu que o PSD sempre foi «um partido de direitos e deveres», não podendo aprovar uma recuperação do tempo integral sem condições financeiras. Pelo CDS foi a deputada Ana Rita Bessa quem rebateu as críticas da esquerda a frisar que a rejeição da proposta dos centristas «é escolher entre duas irresponsabilidades: a demagógica do BE e do PCP, que acham possível prometer tudo a todos ou a hipocrisia do PS, que sabendo que as carreiras como estão não são sustentáveis, não teve coragem de negociar a sua revisão». 

Costa vs Rio

Horas depois do chumbo das alterações ao diploma do Governo, o primeiro-ministro afastou o cenário de demissão do Governo classificando o desfecho do impasse do tempo de serviço dos professores como «uma vitória da responsabilidade», que «permitirá com segurança dar continuidade ao percurso que o Governo tem vindo a fazer de recuperação de rendimentos, de direitos, de aumento de investimento e com contas certas».  

Mas o presidente do PSD – que numa entrevista à Renascença prometeu contabilizar todo o tempo de serviço aos professores caso seja primeiro-ministro – faz uma leitura oposta à que foi feita por António Costa. Para Rui Rio, a forma como o Governo geriu este caso foi uma «derrota da responsabilidade» e «mais uma machadada na credibilidade da política».

Entretanto, de forma inédita, Marcelo Rebelo de Sousa continua em silêncio gerando a «desilusão» entre os professores. Há dez dias que o chefe de Estado não se pronuncia sobre o assunto e não deverá falar durante este fim de semana, uma vez que não tem agenda.