O circo voltou à cidade…

As coisas andavam a correr mal a António Costa, e uma crise era aquilo que lhe convinha. 

Faltava-nos uma crise política à beira do Verão. E António Costa não se fez rogado, porque precisava dela como de ‘pão para a boca’. O que aconteceu a seguir já se sabe: suspense, no meio de um raro silêncio presidencial, recuos e habilidades para salvar a face – tendo como pano de fundo a demissão do Governo caso a ‘coligação negativa’ aprovasse o reconhecimento do tempo integral de serviço aos professores. Chumbou, adiante se verá.

As coisas andavam a correr mal a Costa, com as repetidas histórias ‘em família’ e as sondagens a deslizarem para uma zona de empate técnico, agravadas pelo facto de o cabeça-de-lista socialista para as europeias ser o vazio que se sabe.

Perante este estado de coisas, a impaciência era grande e nem mesmo o esforço diligente dos ‘avençados mediáticos’ conseguia disfarçar as fraquezas da confraria. Logo, uma crise era o que convinha. 

A ‘reversão’ do congelamento das carreiras dos professores, as ameaças da Fenprof em ano eleitoral, as hesitações e o calculismo partidário deram o mote para Costa dramatizar e fazer um número ‘extra programa’. Nada que surpreenda.
Fê-lo em contraponto ao desbragamento da despesa que caracterizou os consulados de Sócrates, e do qual não foi mero espetador. 

Costa aprendeu a lição, embora a demissão anunciada não tivesse resistido ao fim de semana, graças às cambalhotas do PSD e do CDS, que preferiram não aceitar o ‘bónus’ de eleições antecipadas, não fosse o diabo tecê-las.

Rui Rio, por uma vez na vida, assumiu-se oposição e fez esperar os media pela sua palavra, que poderia ditar a sorte do Governo. E assinou, a partir do Norte, a intervenção mais contundente contra o primeiro-ministro em exercício que jamais se lhe ouvira.

Em direto nas televisões, Rio ‘despejou o saco’ e disse, por atacado, o que poupou a Costa durante anos a fio, enquanto durou o idílio, que começou ainda ambos eram autarcas. Sentiu-se, finalmente, enganado. Se foi a tempo, é o que em breve se verá. Mas o namoro acabou com estrondo.

O que espantou no meio da algazarra não foi, porém, a possibilidade de o Governo cair em diferido, mas a ingenuidade, o ‘nacional-porreirismo’ ou o oportunis-mo clientelar da direita, ao juntar-se à esquerda comunista para partilhar um anacronismo. 

Ora, sejam professores ou quaisquer outros servidores do Estado, a progressão na carreira não deveria depender, primeiro, da avaliação regular do mérito e das competências profissionais, em vez de estar indexada, quase automaticamente, à antiguidade? 

Sabe-se como o funcionalismo soube melhorar o seu estatuto, juntando várias regalias ao salário garantido e à estabilidade no emprego, o que inclui um sistema de saúde próprio, a ADSE, um verdadeiro seguro para a vida. 
Depois, graças a outra liberalidade de Costa – cujos custos orçamentais não o incomodaram até hoje –, o funcionalismo viu reduzida a semana de trabalho para as 35 horas, enquanto no setor privado se mantiveram as 40 horas.

Os efeitos nefastos dessa opção política demagógica, combinada com as cativações das Finanças, são bem ilustrados pela degradação dos serviços públicos, principalmente na Saúde.

Quando se fala de professores é, no entanto, forçoso separar as águas entre a escola pública, onde a profissão tem perdido prestígio e autoridade, e o ensino privado, que não cultiva greves e manifestações consecutivas a pretexto da ‘carreira’, inquinando o debate sobre a função docente e criando a ideia de que os alunos são meramente instrumentais. 
Recorde-se que os professores, patrocinados pela Fenprof, declararam guerra às avaliações, no tempo da ministra socialista Maria de Lurdes Rodrigues, apesar de a OCDE recomendar a criação de «mecanismos de avaliação de professores com um forte foco no seu desenvolvimento contínuo». 

Enquanto durou, a prova revelou-se desastrosa, o que obrigou a Fenprof a desdobrar-se em contorcionismos para ‘explicar’ as prestações medíocres de muitos professores. Daí a relutância em sujeitarem-se a exame… 

Os rankings anuais, ainda publicados, são bem elucidativos do enorme fosso que separa o ensino público do privado.
O aproveitamento escolar, descontadas as exceções, marca passo na escola pública, sem preocupar os zelosos sindicalistas. À pala da modernidade pedagógica, desprezam-se os exames e introduzem-se ‘ativistas’ nas aulas para doutrinar a ‘ideologia do género’, pagos pelo contribuinte. 
Em resumo: a crise política esfumou-se, mas deixou marcas. António Costa rodeou-se de fiéis em S. Bento, sentando à mesa gente do partido e governantes (exemplo acabado de uma indesejável promiscuidade), para fazer ‘xeque-mate’ à esquerda e à direita. Quase conseguiu. Entretanto, o circo voltou à cidade…