Chamem-lhe urso…

Parece que já voltou para Espanha o urso pardo que nos últimos dias foi notícia por andar no Parque Natural de Montesinho a atacar colmeias e a lambuzar-se com mel português. Foi fugaz a visita deste espécime dado como extinto em Portugal desde o século XIX. Não chegou a uma semana.

Ao que parece, as incursões de ursos pardos em terras transmontanas têm sido mais frequentes nos últimos 10 anos. Mas a verdade é que, diz quem sabe, não andam por ares portugueses muito tempo. Apenas por uns dias. Comem o mel que podem e voltam para de onde vieram. Chamem-lhes ursos.

Por coincidência, nestas duas semanas em que o urso pardo foi notícia, Joe Berardo foi à Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos e o banco público anunciou os aumentos das comissões a pagar pelos seus clientes.

Desabou, claro, uma chuva de críticas sobre Joe Berardo – com a particularidade de a esmagadora maioria fazer questão de uma prévia declaração de afastamento do coro de críticos do comendador, ou lembrando que já lhe apontavam o dedo nos tempos em que ele era mesmo rico e disputado pelas cúpulas da banca nas suas querelas pelo poder ou por simplesmente pretenderem afastar-se do bando de abutres useiros e vezeiros em voar picado sobre quem publicamente cai em desgraça.

Berardo foi demasiado longe na leveza com que encarou a comissão parlamentar, no topete e no tom jocoso como tentou desresponsabilizar-se de dívidas que somam mil milhões de euros.

Mas a verdade é que a responsabilidade de Berardo, não sendo tão negligenciável como a sua falta de vergonha procurou fazer crer, tem de ser, de facto, partilhada com todos aqueles que lhe concederam, revalidaram ou reforçaram os créditos. A todos os níveis.

Curiosamente, ou em contrapartida, não se leu, viu nem ouviu uma crítica que fosse ao aumento das comissões cobradas pela Caixa Geral de Depósitos aos seus clientes.

Aumentos alguns na ordem dos 300% e todos eles absolutamente injustificáveis num banco público. Sim, porque a Caixa Geral de Depósitos é um banco público. Se quer estar no mercado regendo-se pelas leis do mercado e pelas regras que servem aos privados, então privatize-se.

As comissões cobradas por conta ou por levantamentos ao balcão são agiotas.

Ultrapassada a crise financeira mais profunda e recuperados pornográficos lucros pelos cinco maiores bancos – entre os quais, naturalmente, se inclui a CGD – é uma vergonha que um banco público que em nada premeia os depósitos à ordem dos mais simples dos cidadãos os obrigue a pagar comissões de dois e três euros por cada levantamento ou ato bancário praticado ao balcão.

Sim, é vergonhoso.

Afinal, quem paga as falcatruas de Berardo e os desmandos desses gestores com salários de ouro e reformas de diamante que lhes deram guarida?

Contaram-me um dia uma história que rezava assim: um reputado banco decidiu descontar um euro de cada uma das contas dos seus clientes, não lhes dando conta de coisa alguma. A quem reclamasse do euro indevidamente ‘sacado’, logo o banco se apressaria a repor o dito euro, pedindo desculpa pelo lapso, justificado com um bug informático ao qual, obviamente, a instituição seria alheia. A quem nada dissesse, azar, ficava sem o euro. Entre milhões de clientes, as reclamações do dito euro terão correspondido a menos de 10%, já que para muitos o simples ato de ter de reclamar ou entrar em contacto com o banco sacador acabaria por sair-lhe mais caro. E, assim, sem que nada o justificasse, o banco, de quando em vez, lá encaixava uns milhões à conta dos seus clientes.

O que se passa com as comissões é mais ou menos a mesma coisa mas elevada a ‘n’ ao cubo, já que há comissões para tudo e mais alguma coisa – e já está na forja a cobrança por operações no multibanco e até na net ou no homebanking – e não há sequer reclamação que valha.

Como se já não bastassem os impostos, diretos e indiretos, que o Estado se arroga cobrar cada vez com maior carga, só faltava que o banco público legitimasse mais um assalto às contas dos contribuintes mais indefesos.

Ao lado da gargalhada grosseira de Berardo, não é menos ignóbil o sorriso dos senhores administradores do banco público que se acotovelam na mesa na hora da reclamação de louros pela recuperação dos resultados altamente lucrativos, à custa do fecho de agências no já desertificado interior do país e das famigeradas comissões cobradas na lógica dos bancos que são privados e não públicos.

Daí que valha a pena repetir: se o urso pardo foge daqui para fora é porque não é um urso qualquer.

Chamem-lhe urso…

Aliás, quem serão os ursos?