Um país de opereta…

A proximidade da ministra da Saúde com os extremos à esquerda faz pensar que ‘somos todos BE ou PCP’

É raro passar um dia sem se ouvirem queixas fundamentadas sobre a degradação visível nos hospitais públicos, com intermináveis listas de espera e doentes acamados pelos corredores.

O Serviço Nacional de Saúde, criado há 40 anos, envelheceu precocemente, a julgar pelos relatórios conhecidos do Tribunal de Contas e do Grupo Técnico Independente – nomeado ainda pelo anterior ministro do setor –, a juntar a outros documentos publicados entretanto e que têm denunciado, com exasperante regularidade, o estado calamitoso a que chegaram as coisas.

Nada que aparentemente tire o sono à atual ministra da Saúde, Marta Temido, que, em vez de se concentrar na resolução das carências urgentes dos hospitais – desde os escandalosos atrasos nas cirurgias e consultas à escassez de recursos para novos fármacos e manutenção de equipamentos –, desperdiça energias numa sindicância à Ordem dos Enfermeiros, talvez porque nunca ‘digeriu’ a angariação bem sucedida de fundos, como suporte da greve daqueles profissionais.

Ficou de memória a sua frase numa entrevista, quando disse que negociar com enfermeiros durante a greve seria como privilegiar o «criminoso, o infrator». Depois, voltou atrás e desculpou-se. Mas estava dito.

Pelo ‘andar da carruagem’, em vez do ‘somos todos Centeno’, mais parece que ‘somos todos Bloco’ (ou PCP…), tal a proximidade política da ministra com os extremos à esquerda.

Aliás, logo que foi conhecido o seu nome para a tutela da Saúde, um deputado bloquista apressou-se a prever «uma nova Lei de Bases que reforce o SNS e o resgate da predação dos privados». O recado estava dado.

Em contrapartida, o trabalho da comissão que Maria de Belém coordenou foi lançado ‘às malvas’. Afinal, no plano ideológico, Marta nem se importa de ser vista como «esquerdista», ao ponto de confessar: «Quando estou muito irritada, costumo ouvir o hino da CGTP» – o que é exemplar das suas preferências musicais para acalmar…

Num ‘Retrato da Saúde em Portugal’, publicado em 2018, reconhecia-se que «somos uma população envelhecida e com um baixo índice de fecundidade».

Os dados eram concludentes: 21% dos portugueses tinham mais de 65 anos, enquanto apenas 14% tinham menos de 15. Em resumo, cerca de um milhão de portugueses contava idade igual ou superior a 75 anos.

Outra tendência foi a constatação de haver menos mulheres em idade fértil e terem filhos cada vez mais tarde. Em 2016, 31,5% dos nascimentos ocorreram em mulheres com 35 e mais anos – e apenas 3,5% das mulheres foram mães com idade inferior a 20 anos.

Um quadro deveras sombrio, agravado pelo saldo migratório, que se inverteu em 2011, passando a ser negativo.

Feito o diagnóstico, seria expectável que fossem tomadas medidas de incentivo à natalidade, sem descuidar o acompanhamento dos idosos, concentrados sobretudo em grandes áreas metropolitanas.

As cativações ‘cirúrgicas’ de Mário Centeno transformaram, no entanto, a situação dos hospitais públicos numa rotina caótica, denunciada pela auditoria do Tribunal de Contas ao assinalar a «limpeza das listas de espera para primeiras consultas de especialidade hospitalar».

Se este relatório do TdC tivesse acontecido ao tempo do Governo PSD-CDS, as reações indignadas não se teriam feito esperar, com os ‘comentadores avençados’ a exigirem cabeças e a oposição a pedir demissões.

Pelo contrário, com a ‘geringonça’, a maior parte dos media limitou-se aos ‘serviços mínimos’ e enfiou o assunto na gaveta.

Por isso, é legítimo concluir que o Governo está mais interessado em ‘meter na ordem’ os enfermeiros e fazer aprovar uma Lei de Bases para a Saúde, deslocada em final de legislatura – deixando os privados na situação de ‘tolerados’ –, do que em procurar corrigir as insuficiências do SNS.

Ironicamente, os privados na saúde são cada vez mais procurados pelo funcionalismo público, via ADSE, algo no mínimo questionável, pois seria natural que os servidores do Estado recorressem, por maioria de razão, ao SNS.

Recorde-se, aliás, que foi o Governo socialista de Sócrates que extinguiu alguns subsistemas de saúde, a pretexto de não fazerem sentido. Outros floresceram, como é o caso da ADSE.

Mas coerência e vergonha não costumam ser virtudes por aquelas bandas. De facto, as conclusões graves do TdC sobre o universo do SNS têm vindo a ser corroboradas por novos documentos, como se verificou há dias com o da Entidade Reguladora da Saúde, que confirmou a deterioração dos tempos de espera em cirurgias, consultas e cuidados continuados.

Afinal, a desfaçatez invocada por António Costa no Parlamento, a propósito de um ‘comendador’ a «gozar com o pagode» (Marques Mendes dixit) tem mais ramificações. Um país de opereta…