“Quando fui chamada para o casting, estava em Paris. Fiz uma self-tape com o telemóvel e acabei escolhida para ‘O Mecanismo’”

Aos 43 anos, Maria João Bastos dá vida a Maria Pia na segunda temporada da série da Netflix “O Mecanismo”

Isabela Alvarez, mulher de Marcelo Odebrecht, passou a ser Maria Pia, interpretada por Maria João Bastos. A atriz dá vida à mulher brasileira que ‘virou’ portuguesa na segunda temporada da série da Netflix O Mecanismo, que retrata o que está por detrás da operação Lava Jato, o conjunto de investigações ao maior escândalo de corrupção no Brasil. Sem querer falar sobre política, Maria João Bastos confessou ao B.I que tem um gosto por séries históricas e que está a começar a trabalhar num novo projeto dentro do género.

Como é que foi convidada para um projeto em que desempenha o papel de uma brasileira?

Ela começou por ser brasileira, mas os responsáveis pelo projeto acabaram por adaptar o guião em função da escolha da atriz, tornando-a portuguesa. Mas quando fui chamada para fazer o casting era uma personagem brasileira e fiz o casting com o sotaque português do Brasil. Estava em Paris, fiz o teste através de uma self-tape e passei.

O que é uma self-tape?

É o recurso que usamos quando não podemos estar em contacto direto com o realizador. Eles mandam-nos a cena, gravamo-la no telemóvel e enviamos. Hoje em dia isso faz-se muito em produtos internacionais. 

Antigamente para concorrer a um papel destes teria de ir fisicamente aos castings.

A grande dificuldade que se vivia antigamente era a falta de acesso. Hoje em dia existem plataformas onde nos inscrevemos, como o Spotlight e tantas outras, que são sites onde colocamos o currículo e as fotos. É nesta plataforma, onde estão atores do mundo inteiro, que os diretores de casting vão procurar a pessoa que precisam. Se de hoje para amanhã precisarem de uma atriz para fazer determinada personagem, a solução está à distância de um telemóvel. Eu estou em Paris, recebo um telefonema a dizer para fazer o casting para O Mecanismo, faço uma self-tape na qual contraceno com outra pessoa que me dá as deixas e proponho ao realizador aquilo que tenho para dar para esta personagem. 

Foi numa dessas plataformas que a encontraram?

Não, neste caso não.

A série retrata o escândalo Lava Jato e a Maria João dá vida à mulher do presidente da Odebrecht.

A série é baseada em factos reais, mas é uma obra de ficção. Eu não baseei o estudo da minha personagem em ninguém. Baseei-me no guião que me foi dado. À minha semelhança, acho que todos os atores tiveram essa liberdade de criarem as suas personagens com base no guião. Independentemente de ser inspirado em factos reais, há um lado muito ficcionado na história e os atores tiveram essa liberdade de criar as personagens sem que tivesse de ser uma representação de alguém da vida real. E o meu caso mostra isso mesmo: a mulher do presidente da Odebrecht não é portuguesa.

Por que mudaram a personagem para portuguesa?

Foi uma escolha do realizador. Talvez não precisasse de ser portuguesa, mas já que a atriz tem essa nacionalidade… Apesar de a personagem viver no Brasil há 20 anos e falar com o sotaque do Brasil. Aliás, pediram-me que desse um tom do português de cá à personagem. 

Como se preparou para esta personagem?

Obviamente que existe uma busca de informação relacionada com a realidade que se está a retratar, mas a construção da personagem é feita com base no guião e na história que este nos dá para contar: o que significa passar pela situação que ela está a passar, o que é ser confrontada com aquela realidade que vai mudar a sua vida, o que significa de repente ser privada da vida que tinha e o que ela se propõe a fazer para mudar isso. Esse trabalho foi todo feito com base do guião.

E em relação ao sotaque?

Fiz o trabalho normal que faço com a minha professora de fonoaudiologia para aperfeiçoar o meu sotaque de brasileira. Depois, com as alterações na personagem, esse trabalho acabou por resultar em algo um pouco diferente. Acabei por aligeirar o trabalho no sotaque brasileiro que tinha feito até ali para pôr um bocadinho de português.

Para uma atriz como a Maria João, interpretar uma situação de desgraça é algo fácil? É mais fácil do interpretar momentos de felicidade?

Também já fiz, fiz uma Liliane Marise e era muito feliz (risos). Foi um grande sucesso.

Mas é mais fácil interpretar um drama?

A comédia é bastante difícil, sim. É mais difícil do que o drama. É mais difícil fazer rir, é preciso ter um tempo certo de comédia para que esta seja eficiente. Esse tempo depende se se tem talento para comédia ou não, mas também de tudo o que está à volta e da pessoa com quem se contracena. Enquanto o drama é uma coisa que depende muito mais só de nós. Acho que é mais difícil fazer rir do que fazer chorar. 

De todos os papéis que já fez, este foi o mais difícil?

É muito difícil ter de contar uma história de uma personagem com tanta profundidade em poucas cenas. Foi uma personagem bastante difícil de construir e foi um desafio contar aquilo pelo qual aquela mulher estava a passar. Todas as personagens tem as suas complexidades e aqui o desafio foi exatamente na contenção emocional em que este casal vive, em que esta mulher vive, passar o sofrimento e a opressão que ela vive perante um drama do qual é vítima e do qual fica refém. Há uma reviravolta nesta mulher que vai ter um papel muito importante e determinante no desenrolar da história.

Tentou falar com Isabela, a mulher de Marcelo Odebrecht?

Não, de maneira nenhuma. Nenhum de nós falou com a pessoa que inspirou a personagem, acredito eu. Foi-nos dado um guião e liberdade total para fazermos o nosso trabalho e construirmos a nossa personagem com base nisso.

Na preparação da personagem teve alguém que lhe explicou como era esta pessoa na vida real?

Eu, por iniciativa própria – e acredito que todas as pessoas envolvidas no projeto fizeram o mesmo – quis ir buscar informação à realidade vivida atualmente no país, mas a minha personagem, que se chama Maria Pia, foi construída no guião e contar a história da perspetiva dela. Temos um homem, o empreiteiro mais poderoso do país, que se vê envolvido no maior escândalo de corrupção no Brasil. Mas depois há o lado dela: como é que vai reagir ao que se está a passar? Como é que ela vai tentar salvar a família dela? Ela acaba por ter um papel fundamental nas decisões do marido.

Então como se preparou para esta personagem?

Fiz o meu trabalho de atriz: fiz pesquisa, fiz a minha construção física e emocional da personagem e construi a vida dela. Não fiz o meu trabalho baseado em ninguém, tive que, à semelhança de todos os trabalhos que se fazem com personagens, criar a história desta mulher e o seu passado. Mas isso é meu trabalho individual. 

E em que consiste esse trabalho?

É preciso criar a dimensão da personagem e dar-lhe vida. E para isso acontecer é preciso criar as suas características, escrever a história dela que não está na série, mas que é o seu background. Quem foi esta mulher na adolescência, como é que ela cresceu, como era a relação com a família dela. Apesar de nada disso estar na história, é a sustentação da personalidade desta mulher. 

Mas não era mais fácil ir diretamente ao que já existe e inspirar-se na mulher do líder da Odebrecht?

Mas isso era uma escolha. E eu fiz outra.

Já tinha trabalhado com o José Padilha [criador da série]?

Não.

Como correu?

O José Padilha é o diretor do projeto, a pessoa que dá a visão geral de todo o projeto e que tem com ele uma equipa de realizadores que dividem com ele a realização por episódios. Eu, como entrei mais tarde, trabalhei com outras pessoas. Apesar de ter adorado trabalhar com os realizadores, gostava de ter sido realizada por ele. O José Padilha é um profissional que prepara tão bem a sua equipa que mesmo não estando presente fisicamente, está muito presente em toda a equipa e na forma como a série é feita. A sua forma de realizar, a sua visão, o tom da série… Mesmo sem o ter presente, conseguimos sentir a sua presença.

Foi ele que escolheu a Maria João para este papel?

Foi. Ele é que constrói todo o projeto, tem a visão de como quer que a história seja contada. Na verdade, eu senti-me dirigida por ele.

De que forma?

Todo o tom do projeto, todo o processo de criação é dele. Eu senti-me completamente envolvida em toda essa criação. No fundo, eu fui dirigida por ele, porque tudo é criado por ele. Acho que esta temporada, à semelhança da primeira, tem uma dinâmica muito boa.

Dinâmica em que sentido?

Dinâmica narrativa. A forma como a história é contada tem uma dinâmica narrativa que cria uma outra dinâmica na forma com o espetador vê a história, sempre com fatores surpreendentes e com um ritmo que eu acho que vai prender muito o espetador à televisão.

Foram feitas algumas críticas negativas à série por largar o PT e ligar-se focar-se mais no PMDB de Temer. Há quem diga que esta temporada assumiu um tom mais ligeiro. Sente isso? 

Acho que esta é um desdobramento da primeira temporada, onde existe um aprofundamento das personagens. A história incide na captura do empreiteiro que fazia parte do clube dos 13 [como é conhecido na série o clube das empreiteiras, em presas envolvidas no esquema de corrupção].

Não tem tido feedback negativo, então. 

Não, todo o feedback que tive foi da obra de ficção

Padilha disse numa entrevista que como a Netflix não implicou com nada na primeira temporada e não houve processos judiciais, nas gravações da segunda temporada houve um maior à vontade.

Não sei, não estive na primeira temporada. Só vivi a segunda temporada e foram umas gravações perfeitamente normais de uma obra de ficção normal, como todas as que faço. Não vi em nenhum momento qualquer constrangimento. E lá está: a partir do momento em que começamos a contar uma história, trata-se de uma narrativa de ficção. E nós mergulhamos única e exclusivamente nessa narrativa.

Mas quem está a ver relaciona sempre com a realidade.

Naturalmente, mas nós contamos uma história de ficção. Apesar de toda a busca de informação, baseamo-nos no guião.

Mas acha que O Mecanismo é um retrato fidedigno da Operação Lava Jato?

Não, é uma obra de ficção. Se vir a série, é a primeira informação que aparece: é baseada em factos reais, mas é uma obra de ficção. 

Mas há por exemplo uma personagem que faz um discurso muito parecido com o de Jair Bolsonaro, atual Presidente do Brasil.

Ainda não vi todos os episódios. A série saiu há uns dias, mas ainda não consegui ver todos os episódios porque tenho estado a trabalhar bastante.

Mas seja este ou outro episódio, existe sempre uma comparação com a realidade. 

Eu olho sempre para esta obra como uma obra de ficção, a minha personagem é ficcionada, que conta uma história que não é real. Eu não sei a história da personagem real.

Já percebemos que questões ligadas a política não vão ser abordadas, mas…

Queria só deixar aqui uma coisa clara: eu não gosto de falar sobre política. Gosto de estar informada, de estar a par da atualidade. Tenho obviamente as minhas ideologias, as minhas opiniões, mas considero isso algo da minha esfera privada. Acho sinceramente que, como atriz, – e isto é uma visão muito pessoal, não é nenhuma crítica a quem está na vida de outra forma – é muito pouco interessante que o público tenha muita informação sobre mim e sobre temas que considero ser da minha vida pessoal. Eu, quanto mais for uma página em branco, melhor para criar as minhas personagens. Independentemente da série estar baseada em factos verídicos que contam episódios da política brasileira, eu própria não gosto muito de me expor em determinadas questões.

Mas é curioso porque muita gente usa a plataforma mediática para defender determinados temas. Nunca sentiu necessidade de o fazer?

É uma forma de ver as coisas. Eu vejo de outra forma. Sinto que há coisas que tenho que manter minhas. O que tenho que expor na minha vida pública são as minhas personagens. 

E nunca houve nenhum tema relacionado com questões políticas que a fizesse mudar de ideias?

Não, nunca o fiz. Existem temas que me movem mais para que eu utilize esse meu lado público.

Como por exemplo?

Existem questões que me são sensíveis como a igualdade de género, a violência contra a mulher que tem atingido números impressionantes, ou os direitos dos animais por exemplo, matérias que precisam de visibilidade e que eu sinto que o meu posicionamento público pode ajudar.

Em quanto tempo filmou a série?

Eu só filmei durante três meses. O resto da equipa gravou durante mais tempo. Eu só entro na série a partir do terceiro episódio.

Nesses três meses, como foi a vida no Brasil?

Filmei em Curitiba, que é onde se passa a ação, onde eles vivem. Fiquei no Rio de Janeiro a preparar-me para a personagem e depois, quando começaram as gravações fui para Curitiba, fiquei num hotel naquela zona com os meus colegas. Filmava todos os dias e quando não filmava ficava no hotel com os restantes membros da equipa, ia ao ginásio… Era uma vida normal de uma produção.

Num meio tão concorrido como é o vosso, como foi aceite a ideia de uma portuguesa interpretar o papel de uma brasileira?

Já sou uma presença assídua nas produções brasileiras, são 20 anos de relação, com vários projetos, já conhecia algumas das pessoas com quem estava a trabalhar. Fui recebida normalmente, como nas outras produções. 

Ainda não foi ao Brasil depois de a série ter ido para o ar?

Não, estive no Brasil para o lançamento da série, dois dias antes de estrear.

Acha que quando for será olhada de outra forma? A personagem que interpreta, por muito que seja fictícia, retrata uma pessoa que fez parte da vida brasileira e que foi muito comentada. Acha que pela primeira vez na vida profissional vai ser olhada de forma diferente?

Acho que não, acho que vou ser olhada como uma atriz que interpretou uma personagem. Não é a primeira vez que dou vida a uma personagem no Brasil. Se fosse, poderiam eventualmente confundir a personagem com a atriz, mas o público já me conhece. Penso que irão reagir como sempre reagiram.

Mas às vezes não é bem assim. Li algures que a atriz Inês Castel-branco fez uma personagem muito má numa telenovela e algumas pessoas abordavam-na e zangavam-se com as ações da personagem. Por vezes a realidade e a ficção confundem-se…

Analisando dessa forma, o meu caso seria um pouco diferente. A minha personagem não é uma personagem má, é uma mulher que sofre um drama, uma situação difícil na vida. Não desvendando muito a história, acaba por, em defesa da sua família, ter a coragem e a força de tomar uma atitude e tentar recuperar aquilo que ainda é possível. Acaba por ser uma pessoa que vai ter um papel determinante no decorrer da história e nas atitudes do marido.

Voltando um pouco à vida no Brasil. Quando está lá, sente-se segura? Faz uma vida normal?

Faço uma vida normal. Há muitos anos que passo largas temporadas no Brasil, já sei lidar com a realidade e como defender-me de situações que me possam colocar em risco.

Testemunhos nos jornais dão conta de um aumento da violência nos últimos meses até no Leblon. Não sente isso?

Não sei, eu faço a minha vida normal, saio à noite, vou jantar… Estou sempre muito atenta, mas isso já é o modus operandi. Eu chego a Portugal e vivo uma realidade, chego ao Rio de Janeiro e vivo outra, na qual tenho uma postura mais cautelosa e atenta, mas que já faz parte da forma como vivo ali. Mas não sou alheia à forma como se vive ali, até porque todos os dias convivo com ela. A grande diferença que vejo hoje no Brasil é exatamente essa desilusão e esse cansaço dos brasileiros relativamente à insegurança. Mas conheço muitos brasileiros que, apesar disso, não querem sair de lá. É algo instintivo, aprende-se a viver assim. Não saio à rua com medo, não ando a olhar para o lado, não ando com o coração nas mãos. Faço a minha vida normal, mas com os cuidados que a cidade exige. Em Portugal ando com o relógio e as minhas joias, chego ao Brasil e tiro-as.

No Brasil é muito reconhecida na rua?

Sim. E esse reconhecimento está associado ao facto de ser ‘a portuguesinha’. E eu gosto disso. 

Tira algumas selfies nas ruas?

Tiro bastantes. Tiro mais do que em Portugal.

Porquê?

O povo português é mais contido. Reconhece, olha, mas não aborda com tanta facilidade quanto o povo brasileiro. O contacto para eles é uma coisa diferente. Culturalmente são muito diferentes de nós e isso faz com que a abordagem também seja diferente, são mais atrevidos e abertos. Sinto que os portugueses são mais comedidos na abordagem.

E em termos de trabalho, há muitas diferenças entre Brasil e Portugal?

A forma de gravar é a mesma. As condições que se vivem nos diferentes mercados é que têm diferenças. Estamos a falar da Globo, que é uma das maiores produtoras de televisão do mundo, que faz novelas há mais de 50 anos, que exporta os seus produtos para o mundo inteiro e isso gera muito dinheiro. Dinheiro esse que é aplicado em novos produtos. O dinheiro que é investido numa novela no Brasil não se pode comparar com o dinheiro que é investido em Portugal. Isso faz com que, obviamente, as condições sejam diferentes e isso proporciona a oportunidade de fazer mais cenas grandiosas ou utilizar outro tipo de recursos. Nós não temos os recursos que eles têm. A nível humano, nós temos técnicos a fazer produtos muito bons. 

E nas séries a mesma coisa.

Sim. O que se faz em Portugal é visto em Portugal. Nós não exportamos os nossos produtos, não geram a receita que o Brasil consegue exportando para o mundo inteiro.

Agora com a Netflix e outras plataformas, porque é que isso não acontece com os formatos portugueses?

Acho que pode acontecer no futuro, espero que sim, mas acho que é preciso que haja um maior investimento no produto nacional para que ele possa reunir as características que uma plataforma dessas exige. Falo de investimento financeiro, não humano. Nós ainda fazemos muito com muito pouco. 

Esteve agora em O Mecanismo e antes na série 3 Mulheres. 

E quando promovi essa série também não falei sobre política (risos).

Mas existe um gosto por formatos deste género? Podem não ter necessariamente um lado político, mas um lado histórico.

Isso é outra coisa…

O Mecanismo acaba por ser uma série com uma componente histórica.

Exatamente. E eu estou lá a retratar algo que aconteceu. Assim como fiz nas 3 Mulheres. Acho importante que o Mecanismo seja contado. Se for para criar reflexões, se for para as pessoas pensarem no que está a acontecer, já é válido. Da mesma forma que contar a história das 3 Mulheres, é algo que me agrada muito na minha profissão - poder levar a história a diferentes gerações que se calhar não conhecem a história daquelas três mulheres ou da sociedade portuguesa daquela época. Relembrar a quem viveu e contar a quem não viveu. Uma coisa é gostar de contar a história, outra é tomar posições.

Existe um gosto por este tipo de formatos, que contam histórias reais.

Gosto, mas também gosto de contar histórias que são 100% ficcionadas. Têm outro intuito provavelmente, como abordar temas que precisam de ser falados ou simplesmente entreter o público. 

Foi deixada em aberto uma terceira temporada do Mecanismo. Foi abordada nesse sentido?

Não foi dada nenhuma informação por parte da Netflix se a terceira temporada irá existir ou não. 

Foi a primeira portuguesa a entrar numa série da Netflix?

O primeiro português foi o Pepê Rapazote, na série Narcos, que é do mesmo realizador. Aliás, na temporada dele o José Padilha já só foi produtor. Ele foi o realizador e produtor da primeira temporada da série. Há ainda uma série está a ser feita para a Netflix que conta com atores portugueses [Warrior Nun, com Joaquim de Almeida e Alba Baptista]

Este foi o cachet da sua carreira?

Mais um assunto que é da minha esfera íntima (risos). 

Alguma vez tinha imaginado que iria entrar numa série da Netflix? Isto faz com que o seu trabalho chegue a milhões de pessoas em todo o mundo.

Hoje em dia, a Netflix é a maior plataforma no mundo a produzir ficção e não só. A série vai ser vista em 190 países, de 20 línguas diferentes. O streaming mudou tudo o que existia até então, não só em Hollywood, mas no mundo todo. Veio globalizar. Hoje em dia podemos ver tudo em todo o lado. Além disso, para os atores, o acesso a poder fazer uma série internacional é muito maior do que existia antigamente. O facto de a Netflix ser vista no mundo inteiro faz com que a escolha de atores também seja mais abrangente – uma série americana já não tem de ter só americanos. A globalização mudou isso e o streaming precisa disso, precisa que se façam produtos que retratem várias nacionalidades. E o mercado português tem cada vez mais possibilidades de entrar nesse universo do streaming – não só com a Netflix, mas também com a Amazon, a Disney, a HBO, todas elas vão começar a criar conteúdos e isso vai aumentar a produção de ficção numa dimensão global.

Imagina-se a gravar, por exemplo, na Nova Zelândia?

Por exemplo. Na sequência disto que disse, já não existe uma grande regra. Já não existe razão para que não possa filmar na Nova Zelândia ou noutro sítio qualquer

As suas raízes estão em Portugal, mas acha que a vida a vai levar mais para fora?

No fundo, a minha vida não tem sido muito diferente disso: mantenho as minhas raízes em Portugal, mas tenho viajado muito para fora em trabalho. Isso não é propriamente uma novidade na minha vida e na minha carreira.

Tirando as 3 Mulheres, há quanto tempo não aparecia na televisão portuguesa?

Já há alguns anos que não fazia novelas e fiz a série 3 Mulheres enquanto fazia outras coisas fora de Portugal.

Mas o mercado português é algo que ainda lhe interessa?

Com certeza. E cada vez mais. O mercado português está a produzir ótimas séries. É tudo uma questão de estratégia de carreira e de momento. Eu nunca deixei de trabalhar no mercado português. As 3 Mulheres não foram assim há tanto tempo. E estou neste momento a começar a gravar uma série nova em Portugal, a contar mais um pouco da nossa História. Nunca me dissociei do mercado português e nunca deixei de trabalhar nele. Aliás, sempre tive isso bem claro na minha estratégia. Mas para se investir numa carreira internacional, é preciso estar fora. 

Está a fazer alguma novela neste momento? 

Não.

Mas vai entrar em alguma em breve?

Ainda não posso falar sobre o assunto. Para já vou fazer uma série que se chama A Espia. Retratamos a realidade que se vivia em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial, no panorama da espionagem mundial. A história está muito focada em Lisboa e também no Norte, nas minas de volfrâmio. Conto essa história através das aventuras destas de mulheres espias, que são representadas por mim e pela Daniela Ruah. O Diogo Morgado e o Marco D’Almeida também participam.

Em que canal será transmitida?

Na RTP, vamos começar a filmar em breve, nas próximas semanas. 

O seu sonho continua a ser Hollywood?

O meu sonho nunca foi Hollywood, gosto muito mais de cinema europeu. 

O auge seria um Óscar?

Nunca liguei muito a prémios, ligo a realizações pessoais, de ter acesso a projetos que me façam crescer e a personagens que sejam desafiantes. Não estou a desvalorizar os prémios, já ganhei vários e gostei muito. É muito bom sermos reconhecidos pelo nosso trabalho. Mas nunca sonhei ganhar um Óscar. Se ganhar ótimo, é sinal que atingi um trabalho diferente, que me levou a zonas diferentes, que me proporcionou experiências diferentes, com uma personagem boa.

Essa é a resposta politicamente correta.

Nada disso. Nunca sonhei com o prémio em si. Se calhar agora, com esta mudança toda… Estamos a viver um momento muito diferente a nível de acesso internacional. Hoje em dia é muito mais fácil. Toda a minha carreira foi feita numa altura em que era extremamente difícil atingir uma carreira internacional. Consegui-o no Brasil, consegui-o através do filme do Raul Ruiz [Os Mistérios de Lisboa], com filmes franceses que fiz, mas vivi uma época em que tive de dar muito ou abdicar de muita coisa – tive de sair do meu país, tive de me afastar da minha família. Abdiquei de muita coisa para poder investir em algo que era muito difícil de acontecer. Isso não nos impede de sonhar, mas sonhar dentro de uns certos parâmetros. Hoje em dia, o panorama mudou totalmente, é muito mais fácil o mercado português estar aberto ou o resto dos mercado estarem recetivos aos atores portugueses. Eu tinha outros objetivos mais reais do que sonhar com um Óscar. Acho que para concretizar um sonho é preciso visualizá-lo. Eu não estou a dizer que não temos de sonhar alto, mas eu sonhei com outras coisas que efetivamente atingi. Sonhar com um Óscar nunca sonhei, mas não me importava de fazer um filme em Hollywood.